Institucional

Mentes, corações e braços estão em disputa na corrida pela imunização

Segunda parte do webinário sobre vacinas discutiu aspectos sociais, comunicacionais e diplomáticos do processo

Sheila Latchim
Sheila Latchim: defesa da vacinação obrigatóriaRaphaella Dias | UFMG

A batalha da imunização não será vencida apenas com capacidade tecnológica para desenvolver vacinas eficazes e seguras. Ela também está associada ao poder de convencimento e mobilização sobre seus benefícios, ao combate à desinformação e até mesmo à habilidade de buscar soluções em cooperação com outros países. Esses aspectos foram defendidos por especialistas em saúde pública, em comunicação e em relações internacionais na segunda parte do webinário A corrida às vacinas: imunizar a população para controlar a pandemia, realizado na tarde desta quarta-feira, dia 20. O evento foi transmitido pelo canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) da UFMG no YouTube e continua disponível na plataforma, que já registrou cerca de 2,8 mil visualizações.  

Na abertura do painel, a professora Sheila Aparecida Ferreira Lachtim, do Departamento de Enfermagem Maternoinfantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG, manifestou sua preocupação com os resultados de recente pesquisa do Instituto Datafolha, que revelou que a disposição do brasileiro para se vacinar caiu de 89% para 73%. O mesmo levantamento indicou que o número de pessoas que não querem se vacinar cresceu 22% no país.

“Esses dados nos fazem refletir sobre a importância da obrigatoriedade da vacina, uma vez que somente a vacinação em massa é capaz de gerar a imunidade coletiva, tão essencial para o controle da covid-19", destacou Lachtim. Ela lembrou que o Brasil já conta com meios legais que podem ser usados para estabelecer a obrigatoriedade da vacinação. “O decreto-lei 78.231/76 diz que a vacinação pode, sim, ser obrigatória por determinação do Ministério da Saúde. Além desse decreto, a Constituição também sugere isso, ao preconizar que o direito coletivo se sobrepõe ao direito individual. Temos ainda a Lei de Enfrentamento à Pandemia, de 2020, que prevê o uso de medidas compulsórias para o seu enfrentamento. Quando falamos de obrigatoriedade, não estamos dizendo que a polícia vai entrar na casa das pessoas e vaciná-las à força. A ideia é recorrer a dispositivos legais capazes de ajudar a garantir ampla vacinação no país”, argumentou.

No caso brasileiro, a obrigatoriedade da vacinação conta com um aliado de peso: o Programa Nacional de Imunização (PNI), que existe há 47 anos. Segundo Sheila Latchim, o programa aproveita-se de uma rede de grande capilaridade, com mais de 250 mil pessoas capacitadas para aplicar vacinas, estrutura de que países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, não dispõem. “Somos capazes de chegar a todos os cantos do país – a pé, de carro, avião ou barco. A obrigatoriedade da vacina deve estar em pauta porque temos o desafio de fazer os hesitantes se vacinarem. O que está em disputa são as mentes, os corações e os braços dessas pessoas. Precisamos trabalhar nosso senso de coletividade”, conclamou.

Geane Alzamora
Geane Alzamora sugeriu ações de comunicação para reforçar a confiança na vacina Raphaella Dias | UFMG

'Infodemia'
A professora Geane Alzamora, do Departamento de Comunicação Social da UFMG, concordou com Lachtim ao destacar o desafio de convencer as pessoas que hesitam em se vacinar. Segundo ela, a desinformação, que provoca desconfiança em relação aos benefícios da vacina, cresceu durante a pandemia – o fenômeno é chamado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de "infodemia". “Há uma expansão de informações sobre a pandemia. O problema é que informações verdadeiras e falsas são postas no mesmo patamar”, explicou a professora.

Alzamora acrescentou que a emergência das redes sociais possibilitou o surgimento da sociedade da desinformação, que desqualifica fontes e causa confusão sobre a confiabilidade das informações consumidas. “Quando falamos de desinformação, fazemos referência não somente às notícias falsas, mas também às notícias confusas, que geram dúvidas. Se as pessoas não acreditarem na eficiência e na efetividade da vacina, elas não vão se vacinar. Portanto, precisamos atuar na formação das crenças dessas pessoas.”

A professora do Departamento de Comunicação também destacou a importância da divulgação científica como instrumento para ajudar na compreensão pública de que vacinação é um pacto social. “A vacinação só vai alcançar bons índices se atuarmos na formação das crenças das pessoas. É fundamental que um seminário como este que estamos realizando, por exemplo, circule nas redes sociais em uma lógica de ativismo transmídia. O conteúdo que discutimos aqui precisa ser compartilhado por meio de vídeos curtos e simples nas redes sociais e no Whatsapp. Assim, mobilizaremos a sociedade na campanha de vacinação”, concluiu.

O papel da diplomacia
O combate à pandemia também se faz com diplomacia e cooperação internacional. Foi o que disse o diretor adjunto de Relações Internacionais da UFMG, Dawisson Belém Lopes, no encerramento do webinário. Segundo ele, a pandemia de covid-19 deflagrou disputas por recursos, como máscaras, respiradores e vacinas, e o Brasil cometeu vários erros em suas ações diplomáticas desde o início da pandemia.

“As cadeias de suprimento são globais na corrida pelas vacinas. A China e a Índia produzem cerca de 75% de todo o insumo farmacêutico do mundo. A boa diplomacia sugere que sejam mantidas boas relações com esses dois países, algo que nosso atual presidente não fez. Os alinhamentos diplomáticos são essenciais para que os insumos e as vacinas cheguem”, disse.

Dawisson Lopes
Dawisson Lopes: pandemia deflagrou disputas por recursos de saúdeRaphaella Dias | UFMG

Lopes destacou, também, que questões de cunho político atrapalharam o Brasil no enfrentamento da pandemia. O diretor citou a hostilidade da atual política externa brasileira com a China, que decorre do alinhamento do presidente Jair Bolsonaro com os Estados Unidos. “Muito da retórica antivacina contra a Coronavac, de origem chinesa, vem de uma tentativa de bloquear a China no plano global, ou seja, de conter um país que emerge. Esse alinhamento brasileiro aos Estados Unidos terá consequências perversas para o Brasil, pois vai dificultar que obtenhamos os insumos para a vacina. Trata-se de um problema diplomático de difícil reversão”, afirmou Dawisson Belém Lopes.

A primeira parte do webinário tratou dos perfis das vacinas disponíveis e das perspectivas de saída da pandemia. Leia a cobertura.

Luana Macieira