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Morre Enio Cardillo Vieira, professor emérito da UFMG e referência na área de nutrição

Docente do ICB foi um dos criadores do departamento e do Programa de Pós-graduação em Bioquímica e Imunologia

Enio Cardillo Vieira: respeito pelo ensino e apreço pela universidade pública
Enio Cardillo Vieira: respeito pelo ensino e apreço pela universidade pública Acervo pessoal

Morreu no último sábado, 28, aos 89 anos, o professor emérito da UFMG Enio Cardillo Vieira. Docente aposentado do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), ele foi responsável por várias realizações na pesquisa, no ensino e também na administração, atividades nas quais se destacou durante os anos de atuação na UFMG. 

Foi importante articulador da criação do Departamento de Bioquímica e Imunologia, do qual também foi chefe, e do programa de pós-graduação na mesma área. Como pesquisador, Cardillo foi referência brasileira na gnotobiologia — área da biologia responsável pela manutenção de barreiras isoladoras de patógenos, a fim de tornar os animais envolvidos nas pesquisas livres de germes. Ocupante da cadeira 55 da Academia Mineira de Medicina (AMM), atuou também como médico, clínico geral e nutrólogo, área que lhe trouxe muito reconhecimento.

Ex-aluna, amiga e colega de Enio Cardillo no ICB, a professora Maria de Fátima Leite, do Departamento de Fisiologia e Biofísica, recebeu a notícia da morte do docente nos Estados Unidos, onde se encontra em período sabático. "Enio deixou [aos colegas, familiares e amigos] uma bagagem de exemplos, difícil de carregar.” Entre as características do professor, Fátima elenca como marcantes o “humor refinado” e a sensibilidade na percepção das necessidades e dos problemas alheios. “Enio tinha também uma capacidade insuperável de ouvir, de acolher, de aconselhar. E, além disso, tinha um rigor metodológico na pesquisa, uma generosidade no consultório, como médico. Eu digo, sem nenhum exagero, que o professor Ênio é uma referência nacional”, afirma.

Fátima Leite se diz grata ao professor Enio, que a ajudou em seu início como professora e pesquisadora da UFMG, em um período em que era mais difícil conseguir financiamento. "Eu tive orientação e apoio dele para conseguir os meus primeiros financiamentos e, assim, desencadear a minha pesquisa de forma independente na UFMG. Sem essa orientação, o processo poderia ter sido muito mais tardio", recorda. 

“Eu poderia falar sobre o professor Enio de vários aspectos: como aluna, como paciente – ele era o nutrólogo da minha família –, como colega de trabalho e como amigo. E, na verdade, de todos esses aspectos juntos, porque ele é um grande generalista, com conhecimento vasto sobre vários aspectos. Em muitas ocasiões, eu tinha a oportunidade de vivenciar tudo isso junto, num pacote só. Muitas vezes eu me encontrava com o professor Enio, na Sala Minas Gerais e, naquele momento, tinha uma aula de bioquímica. Outras vezes, no consultório, onde atendia minha mãe, ele pedia para interromper um pouco a consulta e explicava o que estava para acontecer num trecho muito bonito de uma música clássica que estava tocando. A convivência com o Enio era sempre uma surpresa muito agradável”, lembra Fátima Leite.

Memórias
Em vídeo publicado em 2018, em comemoração aos 50 anos do Programa de Pós-graduação em Bioquímica e Imunologia da UFMG, o professor Enio Cardillo revelou que sua relação com a bioquímica começou nos primeiros anos da graduação, sob influência do professor Baeta Viana. Nos anos 1950, em seu segundo ano na Faculdade de Medicina, decidiu seguir a carreira científica. “O professor Baeta Vianna era um formador de recursos humanos, e a vida toda havia estudantes de medicina fazendo pesquisa científica no laboratório coordenado por ele”, lembrou à época das comemorações.

Entre os colegas de laboratório de Enio, estavam outros pesquisadores renomados na área da bioquímica, como Giovanni Gazzinelli, Marcos Mares Guia e Armando Neves. “Nos anos 60, foram fundadas muitas escolas de medicina pelo país afora. E eles vinham aqui buscar professores para bioquímica, pois não havia gente para todas as escolas. A gente se alternava nessas cidades, dando aulas de bioquímica, e tivemos muitas propostas para sair daqui, mas tínhamos o compromisso de manter o grupo unido”, contou Enio, sobre o grupo de pesquisadores que deu início ao Departamento e ao Programa de Pós-graduação em bioquímica e imunologia na UFMG.

Doação para a ciência
Em respeito a um desejo expresso por ele em vida, o corpo de Enio Cardillo Vieira foi doado à Faculdade de Medicina da UFMG para o ensino de anatomia. Em texto no site da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (Amanf), o médico, cartunista e professor da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, conhecido como LOR, classificou o gesto como “uma derradeira aula, uma lição de paixão pelo ensino e pela universidade pública”. 

“Espero que as pessoas jovens e aprendizes que terão esse privilégio sejam capazes de imaginar o imenso conhecimento científico acumulado no seu cérebro, que permaneceu lúcido para além dos 80 anos, com senso de humor e visão crítica do mundo. Se houvesse algum instrumento de neurofisiologia sensível o bastante para reproduzir algumas das memórias prediletas do Enio, as pessoas perceberiam, ecoando pela sala de anatomia, alguns fragmentos das músicas que ele tanto amava e estudava”, escreveu Luiz Oswaldo, que atualmente é o coordenador clínico do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG.

Hugo Rafael