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Morre a professora emérita Eneida Maria de Souza, da Faculdade de Letras

Haverá velório nesta quarta, em Belo Horizonte; sepultamento será em Manhuaçu, cidade natal da docente

Eneida
Eneida formou várias gerações de pesquisadoresFoca Lisboa | UFMG

Morreu na tarde de hoje (terça, 1º de março), aos 78 anos, a professora Eneida Maria de Souza, vinculada à Faculdade de Letras (Fale) e emérita da UFMG. Um dos nomes mais importantes da Teoria Literária no Brasil, Eneida descobriu recentemente um câncer do endométrio. Ele deixa três irmãos e sobrinhos.

O corpo será velado nesta quarta, 2 de março, das 8h às 10h, na Funeral House (Avenida Afonso Pena, 2.158 – Funcionários), em Belo Horizonte. Depois, seguirá para Manhuaçu, cidade natal de Eneida, na Zona da Mata mineira. Lá, haverá velório no Cemitério Campos das Flores, e o sepultamento será no Cemitério Municipal.

A professora Sandra Regina Goulart Almeida, reitora da UFMG, que conviveu com Eneida na Fale, destacou a importância acadêmica da colega e a amizade pessoal. “A UFMG está enlutada. Eneida sempre foi uma referência nacional e internacional no campo dos estudos literários e dos estudos da cultura. Foi responsável por algumas das publicações mais relevantes nesse campo. Uma mente brilhante, uma das pessoas mais generosas que conheci e uma amiga sempre presente. Mesmo aposentada há vários anos, continuou muito ativa. Foi responsável pela formação de grande número de estudantes e fazia questão de levar o nome da UFMG aonde fosse. Eneida nos fará muita falta e deixa muita saudade”, disse Sandra.

A diretora da Fale, Sueli Coelho, lembrou que a morte de Eneida coincide com a celebração do centenário da Semana de Arte Moderna, tema em que a pesquisadora era referência. “Sua relação com o Modernismo brasileiro começou nos estudos de doutorado, na década de 1980, e culminou com a publicação de Narrativas impuras, coletânea de ensaios lançada no fim do ano passado e que reflete parte representativa de sua trajetória acadêmica nos últimos anos", afirmou. “A Faculdade de Letras se despede, com muito pesar, de Eneida Maria de Souza. Esta é, sem dúvida, uma grande perda não só para nossa comunidade, como também para o campo da Teoria Literária, que perde um de seus expoentes.”

Legado incomparável
Wander Melo Miranda, colega na Fale e amigo por mais de cinco décadas, ressalta que Eneida deixa um “legado incomparável” para os estudos literários em Minas e no Brasil. “Ela formou várias gerações de pesquisadores, das quais tenho a honra de fazer parte. Conheci Eneida no início dos anos de 1970, foi minha mestra – sempre será – e amiga muito querida”, disse o professor. “Sua trajetória acadêmica é impecável, ética, luminosa. Intelectual lúcida e inquieta, abriu caminho para uma compreensão mais ampla da literatura e da cultura como parte da nossa vida comum. Tinha temperamento forte, alegre, sensível, amava a vida que compartilhava com seus inúmeros amigos e amigas em conversas nas quais demonstrava toda sua inteligência, generosidade e afeto. Vai nos fazer falta, muita falta mesmo. Vai em paz, amiga querida. Sua alegria fica com a gente. Viva a Eneida!”, escreveu Wander.

O professor Georg Otte, outro colega da Fale, lembrou o empenho de Eneida na criação do doutorado em Literatura Comparada, em 1985, e sua “contribuição fundamental”, poucos anos depois, para a criação do Acervo de Escritores Mineiros (AEM). “Sua produção revelava familiaridade com autores como Walter Benjamin, Jacques Derrida e Michel Foucault, e, ao mesmo tempo, sua vontade de integrar a cultura popular em seus estudos, que resultaram em inúmeras publicações no âmbito da crítica cultural. A Faculdade perde uma grande intelectual que, apesar de grandes conquistas pessoais, sempre deu prioridade aos interesses institucionais”, salientou.

Presidente da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic), a professora Rachel Lima, da Universidade Federal da Bahia, enfatizou o “entusiasmo com que Eneida conduziu sua carreira, pautada pelo profundo conhecimento da literatura e da teoria literária e também por enorme generosidade na relação com os colegas e alunos”. Manifestação no site da entidade lembrou que, em 2021, a professora da UFMG recebeu o Prêmio Tania Carvalhal, da Abralic, por sua importância na consolidação da literatura comparada no Brasil. “A presença de Eneida será eterna”, diz a nota.

Doutorado, acervo e livros
Nascida em Manhuaçu (MG), em 1943, filha de uma professora de português e de um amante dos livros, Eneida formou-se em Letras em 1966, pela UFMG. Logo começou a lecionar, especializou-se na própria Universidade e, em 1968, tornou-se, por concurso, professora da Faculdade de Letras.

Sete anos depois, defendeu dissertação de mestrado na PUC-Rio, sobre o escritor Autran Dourado, e, em seguida, deixou o país para cursar o doutorado na Universidade Paris 6, na França. Lá, ela investigou uma das mais importantes obras do Modernismo brasileiro, Macunaíma, de Mário de Andrade. O estudo deu origem ao livro A pedra mágica do discurso, publicado pela Editora UFMG.

Em 1985, foi uma das fundadoras do doutorado em Literatura Comparada da Faculdade de Letras da UFMG, ao lado de Ana Lúcia Gazzola, Vera Casanova e Ruth Silviano Brandão. No final da década de 1980, presidiu a Abralic. Em 1989, fundou o Acervo de Escritores Mineiros, juntamente com Wander Melo Miranda e a também professora da Faculdade de Letras da UFMG Melânia Silva de Aguiar. O AEM está localizado na Biblioteca Central, campus Pampulha. Em 1991, tornou-se professora titular e, em 2003, professora emérita.

Eneida Maria de Souza publicou dezenas de títulos, entre os quais Crítica cult (Editora UFMG, 2002), Pedro Nava: o risco da memória (Funalfa, 2004) e O século de Borges (Editora Autêntica, 2009). E organizou diversas publicações, como Modernidades tardias (UFMG, 1998) e Mário de Andrade e Henriqueta Lisboa – Correspondências (Edusp/Peirópolis, 2010). Esta última conquistou o segundo lugar no Prêmio Jabuti 2011, categoria Biografia. Em 2021, lançou Narrativas impuras, coletânea de ensaios sobre Mário de Andrade (ouça entrevista sobre o livro concedida à Rádio UFMG Educativa).

Nos últimos tempos, ela esteve fortemente envolvida com o Projeto Minas Mundo, rede de pesquisadores que propõe uma revisão dos sentidos do Modernismo e dos seus legados na cultura brasileira. Em mensagem postada no Instagram, os integrantes do projeto se despediram: “Era nossa madrinha, grande intelectual e mulher com quem tivemos o privilégio da convivência intelectual”.

Em 2013, a Revista Diversa, da UFMG, publicou perfil de Eneida, em que se abordou sua relação com a obra de Mário de Andrade. Três anos depois, em entrevista ao Portal UFMG, a professora emérita fez uma profunda análise sobre os rumos da crítica literária e da própria literatura.

Itamar Rigueira Jr.