Mulheres jovens, negras e pobres são as mais atingidas por violência de parceiro íntimo
Resultados do estudo estão em artigo de pesquisadoras da Escola de Enfermagem e da Faculdade de Medicina da UFMG
Estudo realizado por pesquisadores da Escola de Enfermagem e da Faculdade de Medicina da UFMG, com o objetivo de estimar a prevalência da violência cometida por parceiro íntimo sofrida por mulheres adultas no Brasil e os fatores associados a ela, revela que jovens, na faixa etária de 18 a 24 anos, negras, com baixa escolaridade e renda, da região Nordeste, são as vítimas mais frequentes.
O estudo foi baseado em análise da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2019, em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ouviu mais de 34 mil mulheres acima de 18 anos em todo o país, por meio de um questionário que ajudou a identificar qual tipo de violência elas mais sofrem do parceiro íntimo.
A professora Deborah Carvalho Malta, da Escola de Enfermagem, explica que a violência por parceiro íntimo (VPI) é entendida como “qualquer comportamento num relacionamento dessa natureza que cause danos físicos, sexuais ou psicológicos, incluindo atos de agressão física, coerção sexual, abuso psicológico e comportamentos controladores, e que constitua problema de saúde pública global e evidente atentado aos direitos humanos”.
De acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 30% das mulheres acima de 18 anos foram vítimas de VPI do tipo física e sexual ao menos uma vez na vida. No Brasil, meta-análise realizada pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em 2019 concluiu que 16,7% de mulheres entre 15 e 49 anos sofreram VPI física e/ou sexual na vida e 3,1%, no período de um ano anterior. “Mais do que evento isolado na vida da mulher, a VPI pode fazer parte de um padrão contínuo de abuso, e, no Brasil, aproximadamente 33% das vítimas relatam recorrência da violência”, relata a aluna de doutorado Nádia Machado de Vasconcelos, primeira autora do trabalho.
A violência por parceiro íntimo foi declarada no questionário por aproximadamente 8% das mulheres brasileiras, com maior prevalência para a violência psicológica (7,07%), seguida pela física (2,75%) e sexual (0,68%). “Essa violência pode ser entendida como uma relação de poder vinculada aos papéis sociais impostos às mulheres e aos homens e que transcende as características biológicas de cada um”, explica Deborah Malta. “A descrição de masculinidade se baseia em noções de domínio, insensibilidade e honra, que levam à interpretação da violência como característica inerente aos homens. Paralelamente, existe a construção do ideal de mulher, que deve ser obediente, cuidar da casa e dos filhos e se manter fiel ao parceiro. Trata-se de uma ideia de posse do homem sobre a mulher, o que justificaria o ciúme obsessivo e o comportamento controlador, com abusos psicológicos como via de dominação. Várias culturas naturalizam a VPI e consideram que, a fim de reprimir a mulher e reafirmar a hierarquia da relação, os homens têm o direito de infligir punições físicas a suas parceiras e de manter relações sexuais contra a vontade delas”, enfatiza a professora Deborah Malta.
Políticas públicas
A professora da Escola de Enfermagem ressalta que reunir dados sobre a VPI gera evidências que servem de valioso guia para a construção de programas e políticas públicas capazes de levar à redução da violência. “Infelizmente, as crises política, econômica e social que se iniciaram em 2015 e as medidas de austeridade estabelecidas pela Emenda Constitucional 95 em 2016, que limitou os gastos públicos por 20 anos, geraram desmontes e retrocessos nas políticas de proteção social no Brasil e atingiram de forma desigual os grupos em situação de vulnerabilidade”, diz Deborah.
No que se refere à VPI, ela destaca que a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres foi esvaziada, e, em 2019, o programa Casa da Mulher Brasileira, que visa integrar em um mesmo local os atendimentos jurídico e assistencial às mulheres em situação de violência, não recebeu nenhum investimento.
“Ressalta-se que a PNS se aprofundou pela primeira vez na investigação da VPI em amostra representativa da população brasileira, especificando diversas situações para melhor caracterizar o evento e discriminar o agressor por tipo de violência. Nesse sentido, os achados desse estudo servirão para apoiar a vigilância de violências, monitorar o cumprimento das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, bem como poderão auxiliar na construção de políticas públicas que visem à redução das desigualdades e iniquidades sociais. Além disso, este estudo permite a construção de uma linha de base das informações da PNS sobre VPI que ajudará no monitoramento dos desdobramentos ocorridos na sociedade em função do posicionamento conservador e da restrição de direitos pela qual o país passa neste momento”, conclui Deborah Malta, que orientou o trabalho.
Deborah assina o artigo com as doutorandas Nádia Machado de Vasconcelos, primeira autora, Fabiana Martins Dias de Andrade e Isabella Vitral Pinto e a residente de pós-doutorado Crizian Saar Gomes, todas da Faculdade de Medicina da UFMG.
O artigo – Prevalência e fatores associados a violência por parceiro íntimo contra mulheres adultas no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2019 – foi publicado no dia 13 de dezembro, na Revista Brasileira de Epidemiologia.