Museu de História Natural e Jardim Botânico propõe percurso de visitação baseado em memórias
Visita é orientada pelo 'Caderno da paisagem', que contém um mapa, textos sobre conceitos inspiradores e histórias contadas por servidores, pesquisadores, visitantes e vizinhos
Antigos e novos frequentadores do Museu de História Natural e Jardim Botânico (MHNJB) da UFMG vão ganhar, nos próximos dias, a proposta de um novo percurso de visitação. Esse caminho – composto de 11 pontos na área externa, incluindo as matas do museu – é traçado pelas memórias de servidores e vizinhos. Ele passa por trilhas de terra, com aclives e declives suaves, por ruas irregulares e por calçadas com pedras "pés de moleque". É possível seguir a sequência numérica sugerida num mapa ou ir direto a um ponto de interesse.
Os visitantes vão contar com um aliado essencial, o Caderno da paisagem – uma rota pelas memórias do Museu de História Natural e Jardim Botânico, produzido nos formatos impresso e digital. Ele foi concebido para o público espontâneo, de todas as idades, que visita o museu de forma autônoma, se interessa por histórias e gosta de caminhar. Além do mapa, o Caderno contém textos que explicam a forma de desfrutar a visita e os conceitos que são base para o projeto, e também trechos de depoimentos que inspiraram a construção do percurso. O Caderno da paisagem será lançado em evento no próximo sábado, 14 de dezembro, com início às 9h45 e duração prevista de pouco mais de duas horas.
A iniciativa é vinculada ao projeto de extensão e pesquisa Terra Incógnita no MHNJB, criado em 2019 pelos professores Mariana Lacerda, do Instituto de Geociências (IGC), que dirigiu o MHNJB de 2019 a 2023, e Carlos Falci, da Escola de Belas Artes. Em suas pesquisas, eles exploram, respectivamente, os conceitos de paisagem e memória. E vinham conversando, havia algum tempo, sobre as relações entre os dois campos.
Os pesquisadores adotaram a expressão terra incógnita – ela tem origem latina: os cartógrafos medievais se referiam a territórios desconhecidos, cuja existência era apenas suposição – em sentido metafórico, remetendo a uma dimensão pouco conhecida do espaço. “O conceito de terra incógnita remete mesmo à ideia de, como o nome diz, terra a ser descoberta. Há ali uma escavação a fazer, capaz de revelar camadas de vivências”, diz Mariana, que integra o Departamento de Geografia do IGC. “Pesquisamos, em arquivos diversos, a relação do museu com a cidade. Ele tem importância muito grande para os moradores da região [o Museu fica no bairro Horto], historicamente. É o que se chama de ilha verde, uma parada do tempo urbano. É um museu sem cara de museu”, ela complementa.
Mata, edificações, cheiros, sons e sensações
Mariana, Carlos Falci e uma equipe de bolsistas começaram por investigar como as pessoas tomam consciência da presença do MHNJB em suas vidas. Como se explica no Caderno da paisagem, conversaram com técnicos, pesquisadores e estudantes da UFMG, vizinhos, frequentadores e pessoas que conviveram com o museu em algum período. “Registramos depoimentos sobra a mata, as trilhas, as árvores, as edificações, as coleções, as exposições e também sobre cheiros, sons, sensações”, contam, em um dos textos do volume.
O grupo percebeu “um conjunto de narrativas que se entrecruzam e mostram como o museu se faz presente na cidade de Belo Horizonte e no cotidiano das pessoas”. Os textos, ainda segundo as orientações do guia de visita, foram construídos “para explicitar o caráter de lembrança e esquecimento que permeia a memória”, e os fragmentos dos depoimentos reproduzidos propiciam que o leitor vivencie aos poucos “as várias camadas incógnitas do museu”. Como explica Mariana Lacerda, a ideia não é de uma caminhada linear, em ritmo constante, mas uma “visita lenta, autônoma, com um convite à leitura de textos curtos (trechos de memórias), que lança mão da estratégia da demora”.
‘Lembro do cheiro de mato e de peixe’
“Eu gostava demais de ir à lagoa. Foi onde levei minha esposa pela primeira vez. Íamos namorar lá no museu, perto do bambuzal. A lagoa parecia enorme, hoje nem tanto. Era pra mim a coisa mais linda que tinha... ver aquela lagoa aberta. Lembro do cheiro de mato e de peixe... Naquele bambuzal tinha um córrego que fazia um som gostoso de água. O meu lugar favorito era lá.” Este é um dos depoimentos que compõem o Caderno da paisagem, obtidos pela equipe do projeto em conversas com 22 pessoas. Ao final do volume, o visitante-leitor fica sabendo quem são as pessoas.
A área ocupada pelo MHNJB teve vários usos, passando de fazenda a Horto Florestal (1912) e Instituto de Experimentação e Pesquisa Agropecuárias (1947). Posteriormente foi convertida no Instituto Agronômico, sempre sob responsabilidade do governo do estado. No final da década de 60, suas pesquisas foram interrompidas, e uma das fatias do terreno foi transferida para a UFMG, que viria a instalar ali o Museu de História Natural e, logo, também o Jardim Botânico.
Outros depoimentos do Caderno da paisagem mencionam o antigo alojamento da Cavalaria da Polícia Militar, a casa de campo (o “palacinho”) do governador do estado, o “umbuzeiro da cantina”, as cutias e aranhas, o grito agudo dos macacos-pregos, a figura mítica do Zezinho, a Casa do Índio (que abrigou soldados indígenas), o telescópio que foi usado na Segunda Guerra Mundial e o Beco, área de moradias de trabalhadores do Instituto Agronômico que por longo tempo não era separada do Museu por cerca – ou seja, a mata era o quintal das famílias.
A concepção do novo percurso tem o objetivo de ativar nas pessoas o “estar naquele lugar”, como salienta Carlos Falci. “O caderno físico tem o poder de colocar em presença. Os pontos do percurso surgem por causa das memórias, são os chamados lugares de memória. E as pessoas podem ir descobrindo outras camadas. Dessa forma, propomos uma nova forma de vivenciar o museu”, diz o professor da Belas Artes, que é doutor em Literatura e desenvolve atualmente, sobretudo, pesquisas que relacionam memória e água.
O Caderno da paisagem funciona como um guia ilustrado, que amplia sensivelmente a experiência de visitação por meio do desenho. Mariana Amador, bolsista do projeto e estudante do curso de Cinema de Animação e Artes Digitais da UFMG, concebeu ilustrações inspiradas nas narrativas colhidas. “Transcriamos as entrevistas em narrativas ilustradas e aplicamos o caráter fragmentário da memória na escolha dos traços e na composição das imagens que estimulam a imaginação. Elas ampliam as possibilidades de experimentar o Museu”, explica Mariana, que fez os desenhos a lápis em papel Canson, criando uma estética muito própria de caderno.
‘Árvores notáveis’
O projeto da “rota pelas memórias do MHNJB” já tem desdobramentos, como duas oficinas. A primeira é uma visitação conduzida pelo pessoal do Beco, a outra junta árvores e memória. “Muitas pessoas citaram as árvores do local, então criamos um passeio que passa por sete ‘árvores notáveis’ – umbu, sumaúma, ginkgo biloba, barriguda, guapuruvu, jequitibá e, com uma licença poética, o bambuzal. Os visitantes são estimulados a escolher uma delas para fazer registros de diversos tipos (texto, desenho, fotografia etc.) e a se inspirar na arte para construir memórias”, explica Mariana Lacerda.
O projeto Terra Incógnita no MHNJB (2019-2024) foi viabilizado pelo Programa de Bolsas de Extensão (PBEXT), por bolsas de iniciação científica geradas em parceria da Rede de Museus da UFMG com a Pró-reitoria de Pesquisa e por edital de fomento da Pró-reitoria de Extensão.
No evento de lançamento do Caderno da paisagem, no próximo sábado, 14, os participantes farão parte do percurso sugerido e terão um encontro para bate-papo no Anfiteatro da Mata. As atividades foram criadas por alunos de disciplina da Formação Transversal: Processos criativos e culturas em movimento, ministrada no museu. No mesmo dia 14, será lançado o perfil do Caderno da paisagem no Instagram.
O MHNJB fica na Avenida Gustavo da Silveira, 1.035, no bairro Santa Inês. Em caso de chuva, o evento será realizado no auditório Pau Brasil, do prédio vermelho.