Saúde

Pandemia atrasou mais de 1 milhão de cirurgias no Brasil em 2020

Inédita na América Latina, pesquisa foi desenvolvida por estudante e egressos da Faculdade de Medicina

Tecnologia de cirurgia em vídeo: 40% dos procedimentos deixaram de ser realizados no Brasil
Tecnologia de cirurgia em vídeo: 40% dos procedimentos deixaram de ser realizados no Brasil Bruna Carvalho | Faculdade de Medicina da UFMG

Um estudante e dois egressos da Faculdade de Medicina da UFMG estão entre os autores de um estudo que estima o atraso nas cirurgias eletivas e de emergência decorrente do combate à pandemia. Foram mais de 1 milhão de cirurgias acumuladas no país em 2020. No caso do estado de Minas Gerais, estima-se que aproximadamente 113 mil operações não foram realizadas no ano passado, das quais 13 mil seriam de emergência e 100 mil eletivas.

Os representantes da UFMG são os egressos Isabella Faria e Fábio Botelho e o estudante Ramon Bernardino, do 7º período, todos do curso de Medicina. O trabalho foi realizado no âmbito do Programa em Cirurgia Global e Mudança Social (PGSSC), que reúne os hospitais de ensino da Universidade de Harvard, o Departamento de Saúde Global e Medicina Social da Harvard Medical School, o Hospital Infantil de Boston (BCH) e o Partners in Health (PIH). As conclusões do estudo, o primeiro desenvolvido com foco na América Latina, foram publicadas na edição regional da revista The Lancet.

De março a dezembro de 2020, o acúmulo foi de 1.119.433 cirurgias, sendo 161.321 de emergência e 928.758 de operações eletivas. “Observamos uma queda de 40% de cirurgias eletivas realizadas no Brasil na comparação com o ano anterior [2019]. Essa redução se explica pela priorização de procedimentos mais urgentes, realocação de recursos e manejo dos profissionais de saúde durante a pandemia, padrão que também é observado em outros países com grande volume de cirurgias”, explica a médica Isabella Faria, formada na turma de 2020 e pesquisadora associada do Harvard PGSSC. 

Os autores do estudo observam que menos cirurgias teriam de ser canceladas ou adiadas se houvesse uma combinação de medidas de contenção do vírus mais restritivas com o maior preparo do sistema de saúde para momentos de crise. “Com isso, não teríamos um contingente gigantesco de atrasos cirúrgicos. Essa discussão surge da observação dos resultados de outros países em outros estudos”, analisa Faria, que ressalta a importância de se considerar tanto os fatores previsíveis quanto aqueles ligados à governança e à gestão em saúde para a explicação do quadro no Brasil.

De acordo com o levantamento, todas as regiões brasileiras foram atingidas. Aquelas que tiveram maior acúmulo total de cirurgias foram o Sudeste e o Nordeste. Os pesquisadores entendem que os dados podem ajudar a aprimorar a gestão no SUS e subsidiar estratégias de outros países. “Esse estudo pode  auxiliar na adoção de políticas públicas para atenuar os efeitos desse acúmulo e para garantir um acesso seguro, em tempo hábil e de qualidade a serviços de cirurgia pela população”, afirma a pesquisadora.

Isabela Faria:
Isabella Faria era aluna do curso de Medicina quando foi selecionada para o programaCarol Morena | Faculdade de Medicina da UFMG

Metodologia
O grupo coletou dados referentes ao número de cirurgias realizadas mensalmente por estado brasileiro, de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, por meio da plataforma do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). Além disso, foram levados em consideração o número de casos confirmados de covid-19 notificados mensalmente por estado e dados da Oxford Covid-19 Government Response Tracker (OxCGRT), base de dados alimentada por colaboradores de diversos países. 

O represamento de cirurgias por estado foi calculado com base na estimativa do número de procedimentos que seriam realizados em 2020 levando em conta os dados dos anos anteriores (2016 a 2019), usando o modelo Arima (Autoregressive Integrated Moving Average). A partir daí, foram construídos modelos para calcular o acúmulo de cirurgias eletivas, de emergência e o número total de cirurgias em relação aos índices de rigor diário e contenção e saúde. 

O programa
O Programa em Cirurgia Global e Mudança Social (PGSSC) da Harvard Medical School atua em países em desenvolvimento e visa garantir e melhorar o acesso à cirurgia, à anestesia, à ginecologia e obstetrícia de maneira segura e financeiramente acessível. O campo da cirurgia global une cirurgia e saúde pública e se constitui em novo braço da Organização Mundial da Saúde (OMS).  

No Brasil, o trabalho do grupo é focado na cirurgia global em todas as suas dimensões, o que cobre diversos temas, como educação médica, mudança climática e medidas antirracismo, entre outros. Com a pandemia de covid-19 e suas diversas implicações na cirurgia, os pesquisadores também desenvolveram projetos sobre os efeitos da crise sanitária, entre eles, o seu impacto nos residentes de cirurgia e nos estudantes de medicina do mundo.

A participação de Isabella Faria no PGSSC começou em julho de 2021 e vai terminar em julho de 2022. O processo seletivo foi realizado ao longo de 2019, quando ela era aluna de graduação na UFMG.

Com Centro de Comunicação da Faculdade de Medicina