Pesquisa gera livro sobre relações entre Estado e cultura na ditadura
De autoria de Natália Batista, mestre em História pela UFMG, obra faz o espetáculo 'Liberdade, liberdade', censurado na época, dialogar com o presente
A peça Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, entrou em cartaz em 1965, um ano após o golpe civil-militar, como um alerta sobre a perda da liberdade sob o regime autoritário. A análise desse espetáculo serviu de mote para pesquisa de mestrado agora transformada em livro pela historiadora Natália Batista, que lança nesta sexta-feira, 1º, em Belo Horizonte, Nos palcos da História: teatro, política e ‘Liberdade, liberdade’ (Letra e Voz).
A publicação é resultado da dissertação de mestrado defendida pela autora em 2013, no Programa de Pós-graduação em História da UFMG. Natália busca compreender a peça com base na relação entre teatro e história, cultura e política, passado e presente. Ela entrecruza fontes orais e documentais, pressupostos teóricos e contexto histórico para construir uma narrativa histórica sobre o espetáculo que mesclava protesto, humor e música. A análise de Natália Batista, segundo ela mesma, dialoga com o presente, marcado por novo movimento de censura às manifestações culturais e por convocações de intervenção militar.
Liberdade, liberdade, que teve direção de Flávio Marinho, foi montada pelo Grupo Opinião e pelo Teatro de Arena e teve no elenco nomes como Paulo Autran, Oduvaldo Viana Filho, Tereza Rachel e Nara Leão. Recheado de elementos musicais, o espetáculo foi concebido como uma colagem de textos – de autores como Shakespeare e Platão – e frases de Jesus Cristo e Voltaire, entre outros. “Essa opção foi uma estratégia para driblar a censura”, conta Natália Batista.
Natália lembra também que a peça chamou a atenção do alto escalão do regime militar. “Descobri um documento oficial em que o presidente Castelo Branco recomendava ao então ministro da Guerra, Costa e Silva, que o espetáculo não fosse proibido, porque isso teria repercussão negativa.”
De acordo com Natália, Liberdade, liberdade, que seria montada outras vezes ao longo das décadas, teve grande sucesso de público em sua primeira versão, que passou por 14 estados. “Na época, os estados aplicavam seus próprios critérios de censura. Em Minas Gerais, a única alteração exigida foi a troca da palavra ‘prostituta’ pela expressão ‘mulher de vida fácil’. O sucesso do espetáculo e a falta de efetividade da censura descentralizada inspiraram o governo central a determinar que a censura passasse a ser feita em Brasília, de forma única para todo o país”, conta a autora, que lançou seu livro nacionalmente neste mês, durante o 1º Colóquio Teatro e História, realizado na Universidade de São Paulo (USP).
A autora
Natália Batista é mestre em História e Culturas Políticas pela UFMG e doutoranda em História Social pela USP. Ela investiga as relações entre a história e a cultura, com ênfase no contexto da ditadura militar. Foi pesquisadora do Centro de Pesquisa e Memória do Teatro, do Grupo Galpão, e hoje integra o Núcleo de História Oral da UFMG. Trabalhou como historiadora na organização do acervo pessoal do dramaturgo João das Neves e na exposição Ocupação João das Neves, realizada pelo Itaú Cultural de São Paulo. De 2014 a 2016, foi professora do Departamento de História da PUC Minas. Foi uma das organizadoras do livro A ditadura aconteceu aqui, também publicado pela editora Letra e Voz. É uma das idealizadoras e realizadoras do Colóquio Teatro & História, na USP.
O lançamento será na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi), das 18h às 21h. Mais informações estão na página do evento e na página da obra no Facebook.