Pesquisa e Inovação

Pesquisadores da UFMG descrevem espécie de perereca de hábitos noturnos na fronteira de Minas com o Rio de Janeiro

Imagem do macho da espécie
Imagem do macho da espécie Paulo Pinheiro

Três centímetros de tamanho, coloração ocre, uma mancha em formato triangular na cabeça e a presença de um grande apêndice calcar, projeção de pele nos membros posteriores. Essas são algumas das características da Hypsiboas cambui, perereca recém-descrita por grupo de pesquisadores vinculados à UFMG, à Unesp, à UFV e à Universidade de Buenos Aires.

A nova espécie, descoberta no Vilarejo do Funil, na região da Serra Negra, divisa dos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, é a segunda de anfíbio endêmica da região, ou seja, com distribuição restrita a um determinado local.

"Essa perereca vive em ambiente de poças de água próximas ao rio Funil, em áreas cobertas pela mata. Ela é pouco conhecida, pois só foi registrada quatro vezes", explica o pesquisador Tiago Pezzuti, doutorando do Programa de Zoologia do ICB e um dos autores do artigo A new species of the hypsiboas pulchellus group from the Serra da Mantiqueira Southeastern Brazil (Amphibia: Anura: Hylidae), que descreve a espécie e foi publicado na revista Herpetologica.

A Hypsiboas cambui, batizada popularmente como perereca-do-cambuí, foi encontrada pela primeira vez em 2007. Naquela época, um pesquisador levou o exemplar para a coleção biológica da UFMG, onde o professor Paulo Garcia, do Departamento de Zoologia do ICB, percebeu tratar-se de espécie desconhecida.

"Mas havia a necessidade de coletar mais exemplares. Precisávamos de uma quantidade maior de evidências para corroborar que a espécie era nova. Esse processo de coleta começou a ser feito em 2015, com o Paulo Pinheiro, ex-estudante de mestrado do ICB", conta Pezzuti. Depois de três visitas ao local, já havia exemplares suficientes para dar início a uma análise morfológica que comprovasse o ineditismo da espécie.

O pesquisador destaca que, além das características morfológicas, a perereca-do-cambuí tem hábitos muito interessantes. "Os machos ficam empoleirados em galhos e capim às margens das poças de água, onde se reproduzem e emitem cantos que são, na verdade, dois pequenos estalidos agudos. Seus girinos apresentam uma coloração que os ajuda a camuflar-se em meio às folhas e à lama no fundo do corpo d’água", diz o pesquisador.

O trabalho de descrição da Hypsiboas cambui foi feito em parceria com as universidades Estadual Paulista (Unesp), Federal de Viçosa (UFV) e o Museu de Ciências Naturais da Argentina. Depois da descrição morfológica, a equipe de pesquisadores das quatro instituições pretende realizar inventários na região com o objetivo de verificar se ela aparece em outras localidades, além de estudos taxonômicos.

Unidade de conservação
A região da Serra Negra, onde a perereca-do-cambuí foi encontrada, já é conhecida por reunir espécies de animais e vegetais que só ocorrem ali. Segundo Tiago Pezzuti, descrições de novas espécies exclusivas de uma região são importantes para a conservação de um bioma local, que, no caso da Serra Negra, não se encontra protegido por nenhuma unidade de conservação.

Tiago Pezzuti, doutorando do Programa de Zoologia do ICB
Tiago Pezzuti, doutorando do Programa de Zoologia do ICB Arquivo Pessoal


"Quando nomeamos uma espécie, ela ganha novo status, e isso possibilita que seja conservada. Ao perceber que várias espécies só ocorrem naquele local, os pesquisadores e ambientalistas ganham argumentos fortes para implementar ali uma unidade de conservação. Ainda há muito a ser descoberto na Serra Negra", afirma Pezzuti [em foto ao lado], acrescentando que os estudos taxonômicos também são essenciais para a implementação de medidas de conservação.

"Somente com a taxonomia podemos descrever uma espécie. A partir do momento em que a espécie tem nome, conseguimos ferramentas para preservá-la, por meio de legislação e programas de conservação. Essa garantia se estende às áreas de ocorrência da espécie", conclui.

Planta pequena
O nome científico Hypsiboas cambui faz alusão ao local onde a espécie foi encontrada. Kãbu’i é uma palavra de origem tupi-guarani que significa "planta pequena". No português, cambuí é atribuído a plantas da família Myrtaceae, a mesma família da pitanga, encontradas em áreas úmidas e encharcadas. Devido à abundância em mirtáceas, a mata atrás do vilarejo em que a perereca foi encontrada recebeu dos moradores locais o nome de Cambuí, ou Cambuizal.

Artigo: A new species of the Hypsiboas pulchellus group from the Serra da Mantiqueira, Southeastern Brazil (Amphibia: Anura: Hylidae)
Autores: Paulo D.P. Pinheiro, Tiago L. Pezzuti, Felipe S.F. Leite, Paulo C.A. Garcia, Célio F.B. Haddad e Julián Faivovich
Publicado na Revista Herpetologica

Luana Macieira / Boletim 1955