Internacional

Pós-pandemia exige cooperação solidária, avalia reitora da UFMG

Em painel com dirigentes de instituições latino-americanas, Sandra Goulart disse que o ensino virtual precisa ser aprimorado, mas defendeu o ‘contato humano’ nas relações de trabalho

Sandra Goulart durante o painel
Sandra Goulart durante o painel: colaboração internacional reforçada durante a pandemiaReprodução: Luiza França | UFMG

A colaboração internacional deve ser pautada pela inclusão e pela igualdade. Precisa ser permanente e não apenas pontual quando busca fazer frente a crises como a atual pandemia de covid-19. Deve carregar a marca da solidariedade e valorizar a ciência e a educação.

Esses princípios devem balizar o processo de internacionalização das universidades latino-americanas, na avaliação da reitora Sandra Regina Goulart Almeida, que participou, nesta quinta-feira, 29, do painel Liderando a internacionalização em uma era pós-covid-19 na América Latina: perspectivas e desafios. O painel integra a programação da conferência internacional Global learning: a new paradigm for higher education internationalization in the post covid-19 era (Aprendizagem global: um novo paradigma para a internacionalização do ensino superior na era pós-covid-19), que teve início na quarta-feira, 28.  

Organizado pela Universidade de Rosário, em Bogotá, na Colômbia, o evento explorou o tema da Global Learning (Aprendizagem Global), que emerge como nova estrutura orientadora para o envolvimento institucional em nível internacional, especialmente relevante diante do cenário desafiador da pandemia de covid-19. O painel, que abordou as experiências dos reitores latino-americanos, teve como guia duas questões: como podem os dirigentes desenvolver novas ideias para a internacionalização, e qual seria o paradigma para isso em uma era posterior à covid-19 e suas implicações?

Atuação desde o início da crise
A reitora iniciou sua fala chamando a atenção para a atuação da UFMG, em várias frentes, desde o mês de março, quando foram registrados os primeiros casos de covid-19 no Brasil. Além de pesquisa de vacinas, realização de testes de diagnóstico da infecção e ações hospitalares, a Instituição ofereceu apoio à sua comunidade no exterior e aos estrangeiros que estavam – muitos ainda estão – impedidos de regressar a seus países. Desde então, os processos de internacionalização têm sido fortalecidos com a oferta on-line de cursos, disciplinas e eventos. Todas essas ações foram possibilitadas pelo rápido estabelecimento de uma coordenação internacional pra combater a doença.

Sandra Goulart enfatizou a colaboração com a Queen Mary University (QM, do Reino Unido) e com a Huazhong University of Science and Technology (Hust, da China), instituições que auxiliaram o Brasil a compreender inúmeros aspectos e exigências da pandemia nas universidades antes mesmo que ela chegasse com força ao país. Da mesma forma, associações com outras universidades contribuíram para a definição de protocolos sanitários para as atividades da UFMG. Tudo isso, ressaltou a reitora, só foi possível graças à colaboração virtual internacional.

Valor da presença
Apesar da necessidade de aprimoramento do ensino virtual e da relevância de todas as parcerias estabelecidas on-line, Sandra Goulart enfatizou a necessidade da presença humana, que considera insubstituível. “É um contexto dinâmico, complexo e incerto. E estamos nos preparando para esse ‘novo normal’, com o ensino a distância e outras ferramentas, mas temos cada vez mais necessidade de voltar ao modelo presencial, por várias razões.”

“Existem cursos que não podem ser ofertados apenas virtualmente. Além disso, está clara a existência de um perigo para a saúde mental, da depressão gerada pelo isolamento. A importância do contato físico precisa ser destacada e discutida no futuro”, sustentou.

A dirigente também manisfestou sua preocupação com a distância social provocada pelo modelo de home office. A falta das conversas e de parcerias espontâneas, fruto dos encontros presenciais, dificulta o estabelecimento de colaborações com outras instituições. “A cooperação on-line tem muitas vantagens, mas também carece de ações que valorizem o contato entre as pessoas. Temos que usar a cooperação virtual no que ela é boa, mas precisamos lembrar que somos humanos e precisamos estar juntos para fazer o nosso trabalho.”

Trecho da apresentação em que a reitora listou algumas ações de internacionalização desenvolvidas pela UFMG durante a pandemia
Trecho da apresentação em que a reitora listou ações da UFMG desenvolvidas durante a pandemia Reprodução

Sob a égide da desigualdade
Sandra Goulart abordou dois aspectos que as universidades precisam considerar neste momento. Primeiramente, existe um contexto institucional muito diferente em toda a América Latina. “O Brasil é muito grande. E todos os países estão em situações diferentes diante da pandemia. A desigualdade que perpassa todas as instituições e os nossos estudantes. Na UFMG, tivemos de dar um grande apoio a alunos de classes desfavorecidas para que pudessem acompanhar a nova forma de ensino”, informou.

Segundo a reitora, o país sofre com a falta de competência linguística. Em sua visão, é preciso usar este momento para divulgar as outras línguas que são essenciais para a internacionalização, como o espanhol e o francês, além do inglês.

Sandra Goulart também analisou o impacto dos cortes orçamentários impostos ao ensino superior. “Diminuiu o incentivo das agências de apoio, e isso se tornou mais dramático na pandemia. Não temos os recursos para garantir a inclusão e a permanência dos alunos neste momento”, lamentou.

Por fim, a reitora pediu maior cuidado com a autonomia universitária, um problema, em sua visão, típico do Brasil. Sandra disse que as universidades precisam de autonomia para decidir como vão agir e ainda sofrem com as incertezas relacionadas à liberdade de expressão e de organização. “O apoio à ciência e à educação, que se mostraram importantíssimas nessa era de pandemia, precisa vir com a autonomia universitária”, concluiu.

O desafio de cooperar
A cooperação entre países e a ampliação dos processos de internacionalização foram destacadas pelos participantes como fatores essenciais, que vêm suscitando aprimoramentos mesmo antes da crise do novo coronavírus. Como afirmou o moderador do painel, Jamil Salmi, estudioso dos sistemas de ensino, o atual cenário, sem precedentes na história da educação, exige a tomada de decisões rápidas e essenciais, que incluem a ampliação do ensino a distância e o apoio psicológico às comunidades universitárias.

O painel também contou com a participação dos reitores Felipe Portocarrero, da Universidade do Pacífico (Peru), Alejandro Cheyne, anfitrião da Universidade do Rosário, e do vice-reitor para internacionalização do Instituto Tecnológico de Monterrey (México), José Manuel Páez.

Para Portocarrero, o atual modelo de internacionalização chegou a um limite, o que torna o futuro incerto. “Estamos em tempos dificílimos. O mantra que todos nós, reitores e reitoras, dizemos é: adaptar-se. O futuro da internacionalização, que agora chamamos de 3.0, está definido? Não, estamos em gerúndio, construindo, a caminho de...”, avaliou.

Na visão de José Manuel Páez, a internacionalização precisa ser acelerada, uma vez que os números desse movimento eram muito baixos mesmo antes da pandemia. Apenas 2% dos estudantes do mundo se movem, o que gera os questionamentos: o que estamos fazendo mal? Como podemos potencializar esse processo?

Alejandro Cheyne concordou com a posição de Páez, mas vê razões para otimismo. Em sua opinião, o momento pode gerar oportunidades para avanços. “A internacionalização antes da covid-19 era para poucos, para quem tinha dinheiro e conhecimento de outros idiomas. Essa pandemia foi precisamente o que nos possibilitou pensar em uma estratégia muito mais inclusiva”, avaliou.

Luíza França