Pesquisa e Inovação

Probabilidade de controle inadequado de diabetes tipo 2 é maior entre mulheres pretas

Estudo da Faculdade de Medicina revela ainda que chance é duas vezes maior entre homens negros do que em mulheres brancas, o que contraria a literatura especializada sobre o tema

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Variável raça tem peso significativo quando se compara o controle glissêmico entre vários grupos populacionaisFoto: Agência Brasil

Comparadas às mulheres e aos homens brancos, mulheres pretas têm mais chances de apresentar controle inadequado de diabetes tipo 2, seguidas de mulheres pardas e homens negros (pretos e pardos), indica tese de doutorado da pesquisadora Gisseila Garcia defendida na Faculdade de Medicina. O estudo mostra que mulheres negras (pretas e pardas) e homens pretos apresentam mais que o dobro da probabilidade de controle glicêmico inadequado depois de nove anos de acompanhamento.

A literatura especializada mostra que, em linhas gerais, as mulheres têm mais dificuldades de controlar sua glicemia em razão de fatores biológicos ou endócrinos. No entanto, o estudo de Gisseila acrescenta a variável de raça, que relativiza o peso da dimensão de gênero: além das mulheres pretas e pardas, o controle glicêmico de homens pretos também tende a ser menos efetivo na comparação com pessoas brancas. 

A autora explica o que pode justificar esses resultados. “É necessário pensar os fatores de risco para diabetes tipo 2. Quando se faz uma estratificação para identificar quem tem menos acesso a serviços de saúde de qualidade, mais insegurança alimentar, menos acesso a uma alimentação adequada, mais comportamento de risco em saúde, obtém-se um claro recorte populacional. Tudo isso condiciona o surgimento de diabetes e contribui para um controle menos efetivo, porque, para um controle adequado, é necessário ter acesso aos medicamentos e aos cuidados de saúde, estilo de vida saudável, entre outros atributos”, explica Gisseila.

Para a autora, estudos como o seu podem direcionar melhor as intervenções de programas de controle de diabetes e auxiliar na elaboração de ações como a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. A análise foi feita com dados do Estudo Longitudinal em Saúde do Adulto (Elsa Brasil), de 2008 a 2019, em três visitas de monitoramento realizadas por telefone. O Elsa é uma coorte multicêntrica formada por cerca de 15 mil servidores públicos federais ativos ou aposentados, de universidades e institutos de pesquisa localizados em seis capitais brasileiras (Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória).

Ao longo dos anos, todos os grupos monitorados registraram maior descontrole nos níveis de índices glicêmicos, fenômeno mais evidente entre as mulheres pretas. Na análise, as chances de controle inadequado se revelaram maiores entre pretos e pardos (tanto homens quanto mulheres). O grupo com menos prevalência de diabetes tipo 2 no estudo foi o de mulheres brancas. Esse resultado, destaca Gisseila Garcia, contradiz a literatura, segundo a qual as mulheres formam o grupo mais propenso a doenças crônicas não transmissíveis. Daí a necessidade de uma análise interseccional, que contemple as dimensões raça, gênero e classe social em conjunto. 

De acordo com a pesquisadora, a abordagem interseccional possibilitou revelar diferenças ocultas e mascaradas em estudos que se concentraram apenas nos fatores gênero ou raça/cor da pele separadamente, deixando invisíveis grupos de indivíduos em situações de maior vulnerabilidade.

“Há uma produção de conhecimento hegemônica e branca, que trata a população com base em uma ótica universal. Ou seja, existe a mulher universal e o homem universal. Grupos histórica e socialmente marginalizados são invisíveis. Por isso, a análise interseccional é tão importante”, insiste a recém-doutora.

O estudo também concluiu que não há grandes diferenças de predisposição para a diabetes quando se trata da comparação entre homem branco e mulher branca. Ao incluir o recorte de raça, o consenso hegemônico é quebrado. 

Gisseila:
Gisseila Garcia: análise longitudinal e interseccionalFoto: Arquivo pessoal

Colorismo
O colorismo é uma teoria nos estudos raciais que sustenta que pessoas negras podem sofrer diferentes níveis de racismo, a depender de como são lidos socialmente. Ele parte do pressuposto de que, quanto mais retinta uma pessoa é, mais exclusão e discriminação ela vai sofrer. Assim, negros são divididos entre pretos e pardos, sendo pardos pessoas de pele mais clara que tendem a sofrer menos os efeitos do racismo na comparação com pessoas de pele mais escura e traços marcantes.

O estudo de Gisseila Garcia estabeleceu os seguintes grupos: homens brancos, homens pardos e pretos, mulheres brancas, mulheres pardas e mulheres pretas. Mulheres pretas foram as que registraram alterações de níveis glicêmicos mais evidentes, e no caso dos homens pardos não foram constatadas associações estatísticas suficientes para consolidar algum tipo de significância. 

O estudo é o primeiro na área que aborda o tema com base em uma análise longitudinal e interseccional, e isso possibilitou que os resultados indicassem relações entre raça e gênero. A interseccionalidade possibilita que as dimensões gênero, raça e classe social sejam analisadas de forma associada. “A teoria diz que a mulher tem mais predisposição para um controle glissêmico piorado, mas quando eu faço uma análise multivariada, ou seja, de associação, constato que homens pretos têm duas vezes mais chances de um controle glicêmico inadequado se comparado às mulheres brancas. Isso refuta o que a literatura diz em relação à questão do gênero. Se fatores biológicos prejudicam o controle glicêmico entre mulheres, há, por outro lado, um grupo de homens sem predisposições genéticas que também aparecem com mais chances de enfrentar o mesmo problema”, contrapõe a autora. 

A doença
O diabetes mellitus é uma doença crônica metabólica caracterizada por níveis elevados de glicose no sangue, a hiperglicemia. A enfermidade causa alterações no metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras, resultantes de defeitos da secreção e/ou ação da insulina, que pode levar a sérios danos ao coração, vasos sanguíneos, olhos, rins e nervos periféricos.

Uma vez estabelecida, a doença precisa ser controlada permanentemente para reduzir o risco de complicações e mortalidade associada. Existem diferentes categorias clínicas de diabetes. O diabetes tipo 2 é diagnosticado predominantemente na fase adulta. 

Pesquisa Contribuições da abordagem interseccional para a compreensão das disparidades de gênero e raça/cor de pele em saúde no Brasil: comportamentos de risco e controle de diabetes tipo 2
Autora: Gisseila Andrea Ferreira Garcia
Orientadora: Sandhi Maria Barreto
Programa: Pós-graduação em Saúde Pública
Defesa: 18 de maio de 2023

Elen Batista | Centro de Comunicação da Faculdade de Medicina da UFMG