Saúde

Programa da UFMG de doação de corpos para a ciência completa 25 anos

‘Vida após a vida’ é iniciativa pioneira no suporte às atividades de ensino, serviços de saúde e desenvolvimento de novas tecnologias no Brasil

Doação de corpos é primordial para preparo e formação de futuros médicos
Doação de corpos é primordial para preparo e formação de futuros médicos Foto: Faculdade de Medicina da UFMG

Há 25 anos, a ciência brasileira enfrentava um desafio: a disponibilidade de corpos humanos para formar novos médicos e desenvolver técnicas de forma ética, legal e correta. Foi então que nasceu na UFMG o primeiro programa brasileiro de doação voluntária de corpos: o Vida após a vida. Em 2024, a iniciativa celebra um quarto de século, agora equipada com tecnologias avançadas de congelamento (fresh frozen cadaver) e com o apoio de sociedades médicas e hospitais.

Por meio do gesto altruísta dos doadores, profissionais de saúde em formação adquirem conhecimentos essenciais que serão utilizados no cuidado dispensado a centenas de pessoas no futuro. A doação é totalmente voluntária e manifestada pelo doador em vida. Com o consentimento dos familiares, a Faculdade de Medicina da UFMG cobre os custos de traslado e realiza os procedimentos após a morte.

Além das aulas de graduação, nos últimos meses a Faculdade também tem apoiado treinamentos para médicos residentes e especialistas em áreas como restauração da coluna lombar e cirurgia pélvica e vaginal reconstrutiva. Até o momento, já foram 12 projetos realizados em parcerias que ocorrem com sociedades de especialistas, como a Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP) e a Associação Brasileira de Uroginecologia e Assoalho Pélvico (Uroginap).

Pioneirismo
A UFMG é a única instituição de ensino pública no Brasil que utiliza a tecnologia de fresh frozen cadaver, que mantém a conservação dos corpos em câmaras de baixas temperaturas. Diferentemente da conservação em formol, método mais comum, os corpos recebidos pela Faculdade de Medicina são rapidamente congelados após o óbito, garantindo maior integridade dos aspectos biológicos para pesquisas e aulas. 

Outro diferencial em relação ao que geralmente ocorre em empresas do setor de treinamento de habilidades médicas é a possibilidade de realizar, na Faculdade, procedimentos com equipamentos de fornecedores concorrentes, tornando o conhecimento mais democrático. Além disso, os custos ou contrapartidas envolvidos no processo são menores.

Contribuição inestimável
O professor Kennedy Martinez, do Departamento de Anatomia e Imagem (IMA) da Faculdade de Medicina e coordenador do Vida após a vida, explica que “a preservação com cadáveres frescos é inestimável para a ciência e o ensino, pois permite o desenvolvimento de técnicas que não podem ser praticadas em manequins ou animais." 

O professor Arthur Nicolato, também do IMA, explica que o projeto resolveu uma demanda reprimida por corpos para atividades de ensino, pesquisa e extensão na Universidade, com grande participação do Hospital das Clínicas e de sociedades médicas de especialistas. “Esses treinamentos de alta qualidade trazem recursos e equipamentos para o laboratório, subsidiando outras atividades, como as de graduação. Não conseguiríamos alcançar tamanha excelência de outra forma”, diz.

Origens
A história do Vida após a vida remonta a 1999, quando a Faculdade de Medicina foi procurada por uma senhora cuja tia, em fase terminal de uma doença grave, desejava doar seu corpo para fins de ensino. Na época, a Universidade havia recebido apenas um corpo dez anos antes, em circunstâncias semelhantes. Com o aval do Conselho Universitário e da Procuradoria Jurídica, a Faculdade aceitou a doação e iniciou uma campanha para cadastrar mais interessados, criando o primeiro programa de doação voluntária estruturado no país.

Lápide no Cemitério da Saudade homenageia doadores
Lápide no Cemitério da Saudade homenageia doadores Foto: Acervo do projeto

Desde 2019, os familiares dos doadores podem prestar homenagens aos entes queridos no Cemitério da Saudade, em Belo Horizonte, em um espaço doado pela prefeitura. A lápide no local celebra o ato nobre dos doadores com a inscrição “Agradecimentos e homenagens jamais estarão à altura de seu altruísmo.”

Mais recentemente, o número de doadores cadastrados tem aumentado. Em 2017, eram cerca de mil pessoas; em 2024, o registro já ultrapassou três mil. A equipe do Programa enfatiza a importância de ampliar ainda mais esse universo, uma vez que a doação só é efetivada no momento da morte e depende de a família acionar a Faculdade. 

Transplante de pulmão
Outro impacto significativo do Programa será na retomada dos transplantes de pulmão em Minas Gerais, após um hiato de dez anos. O treinamento da equipe envolvida na cirurgia, previsto para ocorrer ainda em 2024, será realizado com corpos do Vida após a vida. O professor Daniel Bonomi, do Departamento de Cirurgia (CIR), explica que o transplante de pulmão é uma cirurgia de alta complexidade, e o treinamento prévio é crucial para o sucesso do procedimento. “Treinar com tecido de cadáver fresco permite que a equipe esteja pronta, garantindo que o transplante ocorra de forma mais fluida”, afirma.

O procedimento, realizado no estado entre 1998 e 2014, estava suspenso por conta da falta de equipe ativa para o transplante do órgão. Pacientes com indicação de transplante de pulmão eram cadastrados em listas de espera de outros estados e encaminhados para tratamento. No ano passado, 18 pessoas foram incluídas nessa lista. 

Bonomi reforça que o treinamento levará a melhores resultados e mais segurança assistencial. “A reintrodução do programa permitirá treinar a parte técnica, entender o tempo cirúrgico e outros detalhes do procedimento”, explica. Por fim, o docente ainda destaca a importância da doação de corpos para a ciência: “Esse tipo de doação permite o desenvolvimento e a melhoria da sociedade como um todo. É essencial ter isso em mente, tanto na área da medicina quanto na vida. No lugar do paciente, eu gostaria de ser operado por uma equipe treinada da melhor forma possível. Portanto, o Vida após a vida permite que se faça uma medicina melhor”, conclui.

Como doar
Não há pré-requisitos ou contraindicações para a doação. Uma entrevista com o doador é realizada para informá-lo sobre todos os procedimentos. Qualquer pessoa maior de 18 anos pode doar o corpo. Ela deve preencher o Termo de Doação na Faculdade de Medicina da UFMG, com duas testemunhas. Menores de 18 anos podem doar com o consentimento da família. O Programa aceita doadores de Belo Horizonte e de outras cidades de Minas Gerais. Se o óbito ocorrer em outro estado, um programa de doação ligado à Universidade mais próxima pode ser acionado para efetivar a doação.

Vida após a vida
Contato: (31) 3409-9739
Faculdade de Medicina da UFMG | Campus Saúde
Avenida Alfredo Balena, 190 | 30130-100 | Belo Horizonte-MG
E-mail: vidaaposavidaufmg@gmail.com
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