Arte e Cultura

'Campo de fora', psicanálise foi excluída da Semana de 22

Mesa sobre o tema compôs o segundo dia de programação do Festival de Verão UFMG

Fabrício Fernandino, Ayanne Sobral e Lucia Castello Branco: discussão sobre a presença da psicanálise na Semana de 22
Fabrício Fernandino, Ayanne Sobral e Lucia Castello Branco (com a intérprete de Libras Fabiana Moreira): debates sobre "o que ficou de fora" da Semana de Arte Moderna Raphaella Dias | UFMG

O segundo dia do Festival de Verão UFMG foi dedicado ao tema O que ficou de fora da Semana. Mediada pelo professor da Escola de Belas Artes e diretor do Centro Cultural UFMG, Fabrício Fernandino, uma das conversas reuniu a psicanalista e professora Ayanne Sobral e a psicanalista e professora da UFMG Lucia Castello Branco. Elas abordaram a presença da psicanálise na Semana de Arte Moderna de 1922, evento que transformou os campos das artes, culturas e políticas brasileiras. 

Ayanne Sobral lembrou que alguns grupos, comunidades e modos de fazer e pensar as artes e culturas sofrem com o apagamento histórico. Para entender esse apagamento e como a psicanálise foi, de certa forma, excluída da Semana de Arte Moderna, ela defendeu a necessidade de pensar a psicanálise como um campo "de fora". 

“Não há como falar do campo de fora sem dizer que o campo de dentro é aquele geralmente branco, masculino e elitista. É um campo que promove o pensamento eurocêntrico, o racismo e a xenofobia. Eu nasci em Caruaru, interior de Pernambuco, e sou uma mulher que pesquisa a psicanálise no Nordeste, fora do eixo Rio-São Paulo. O campo de fora é onde a minha subjetividade aparece, o modo como me posiciono no mundo”, explica.

Virgínia Bicudo: esquecida, apesar de ter sido a responsável por trazer a psicanálise para o Brasil
Virgínia Bicudo: esquecida, apesar de ter sido a responsável por trazer a psicanálise para o Brasil Fundo Virgínia L. Bicudo, CDM | Sociedade Brasileira Psicanálise de São Paulo

A história da psicanálise no Brasil sofre com esse apagamento histórico, destacou Ayanne Sobral. Ela explica que Virgínia Bicudo, mulher negra e a grande responsável pela chegada da psicanálise no Brasil, costuma ser ignorada por historiadores e por parte da comunidade psicanalítica no país. Trata-se, segundo a psicanalista, de um exemplo de epistemicídio ou genocídio epistemológico. 

“Esse termo, cunhado por Boaventura de Sousa Santos, explicita o que ocorre quando se nega a alteridade. A discriminação racial apagou Virgínia Bicudo da história da psicanálise brasileira, e, quando falamos do que ficou de fora da Semana de Arte Moderna, é importante lembrarmos também do que ficou de fora da história da psicanálise”, diz.

Psicanálise literária
Lucia Castello Branco salientou que a psicanálise literária nasce como um campo marginal e permanece excluída dos debates e das discussões até os dias atuais, assim como ocorreu na Semana de 22. Segundo Lucia, apesar de não ter integrado a programação do evento, a psicanálise já podia ser vista dentro do pensamento modernista.

“Se pegarmos várias obras literárias modernistas, como ‘Amar, verbo intransitivo’, de Mário de Andrade, por exemplo, conseguimos encontrar muitos pensamentos da psicanálise ali. Os modernistas liam e estudavam Freud. A psicanálise pode não ter aparecido na Semana de Arte Moderna, mas ela já existia naquele meio”, explica.

Ayanne Sobral acrescentou que a psicanálise literária questiona normas que se consolidaram, ao longo do tempo, como hegemônicas. A psicanalista e pesquisadora afirmou que, no momento de luto coletivo vivido no Brasil, é importante questionar. “Tanto a psicanálise quanto a literatura representam o direito à circulação livre de palavras e afetos, o que é incompatível com regimes políticos autoritários. A psicanálise literária é um importante método de análise porque nasce do pacto de amor entre a psicanálise e a literatura”, concluiu.

Programação disponível online
Também ontem, o 16º Festival de Verão UFMG juntou, numa roda de conversa, Eduardo de Jesus, professor do Departamento de Comunicação Social, José Newton Coelho Meneses, professor do Departamento de História, ambos vinculados à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, e Ricardo Aleixo, poeta, artista visual e sonoro, performador e pesquisador.

roda de conversa, assim como todas as mesas desta edição do festival, ficam disponíveis no canal da Diretoria de Ação Cultural (DAC) da UFMG no YouTube. A programação do 16º Festival de Verão UFMG prossegue até este sábado, 12.

Luana Macieira