Senado aprova atualização da Lei de Cotas; alguns avanços já são adotados na UFMG
Revisão proporciona mais efetividade para o preenchimento das vagas e favorece modalidades que reúnem candidatos mais vulneráveis, avaliam gestores
O projeto de lei (PL 5.384/2020) que reformula e amplia o sistema de cotas no ensino federal foi aprovado no Senado na última terça-feira, 24. O projeto passou sem alterações em relação ao texto que tramitou na Câmara dos Deputados. Chama atenção o fato de que dois dos aprimoramentos propostos pelo projeto já vêm sendo aplicados pela UFMG, nos últimos anos, em seus processos seletivos para a graduação e o ensino técnico, assim como na lista de espera do Sisu.
“O primeiro desses aprimoramentos determina que as vagas de ampla concorrência devem ser preenchidas pela classificação decrescente de todos os candidatos, incluindo aqueles que se inscreveram em uma das oito modalidades de cota. O segundo define que vagas não preenchidas de uma dada modalidade de cota devem ser transferidas para outra, priorizando aquela caracterizada pela maior condição de vulnerabilidade”, explica o pró-reitor de Graduação, Bruno Otávio Soares Teixeira.
No primeiro caso, isso significa que, em vez de os cotistas concorrerem somente às vagas estipuladas para seu subgrupo (escola pública, cor/raça, renda, pessoas com deficiência etc.), eles também vão disputar as vagas de ampla concorrência. Dito de outro modo, a nota de um potencial cotista será usada para concorrer às vagas reservadas a seu subgrupo apenas se ele não alcançar, antes, a nota para ingresso nas vagas de ampla concorrência.
Na prática, as cotas deixam de ser um teto para a entrada de alunos com o perfil de cotistas para se tornar um piso: se um potencial cotista alcançar a nota necessária para o ingresso pelo sistema geral, ele entrará por esse sistema, e não pelo regime de cotas, de modo a deixar a vaga de cota livre para outro candidato que seja apto a entrar por esse subgrupo.
A segunda mudança mencionada por Bruno Teixeira determina que as vagas de subcotas não utilizadas sejam repassadas primeiramente para outras subcotas. Desse modo, caso não haja candidatos aprovados para determinada modalidade de cotas, suas vagas serão transferidas para outra modalidade, seguindo uma sequência que parte da categoria mais vulnerável para a menos vulnerável.
Dessa forma, uma vaga de cota só será remanejada para o montante de vagas de ampla concorrência após se verificar que não há candidato apto para essa vaga em nenhuma das demais categorias de cota. Ambos os procedimentos já são aplicados pela UFMG, por iniciativa da própria Universidade, no âmbito da lei original (Lei 12.711, de 2012), antes mesmo da atual reformulação.
Combate às desigualdades
A revisão da Lei de Cotas representa “um avanço positivo, necessário e muito bem-vindo no arcabouço jurídico que trata da política de cotas”, avalia a reitora Sandra Regina Goulart Almeida. Na sua opinião, ações afirmativas como a política de cotas são instrumentos de combate às históricas desigualdades da sociedade brasileira. “Agora, após esses dez primeiros anos de avanços na democratização do acesso ao ensino superior, nossas atenções se voltam para a criação de mecanismos que colaborem não apenas para o acesso, mas também para a permanência desses alunos na Universidade”, destaca.
Rodrigo Ednilson, professor da Faculdade de Educação que preside a Comissão Permanente de Ações Afirmativas e Inclusão Social da Universidade, afirma que, de fato, o projeto de reformulação da lei tem o potencial de colaborar para a superação dos desafios e das limitações impostas à Lei de Cotas no decorrer da última década. Ele lembra que, de forma indireta, a UFMG acabou participando do processo de aprimoramento das propostas ora referendadas pelo Senado, em razão da vinda da deputada Dandara, do PT de Minas Gerais, à UFMG, em abril deste ano.
Pedagoga formada pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestre em Educação pela UFMG, Dandara foi a relatora do projeto de lei na Câmara, onde ele foi aprovado no início de agosto. (No Senado, o relator foi o senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul.)
“O projeto, portanto, é também o resultado dessa experiência da Dandara na universidade pública brasileira. Ela esteve na UFMG quando lançamos o livro Ações afirmativas na UFMG: por que sim?, que contém um recorte da pesquisa nacional Avaliação das políticas de ação afirmativa no ensino superior no Brasil: resultados e desafios futuros. Na ocasião, ela teve uma conversa aberta com representantes da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG) e com estudantes das moradias universitárias da UFMG e colheu muitas impressões, o que decerto serviu para refinar o trabalho de depuração do projeto”, informa Rodrigo Ednilson.
Os próximos dez anos
O projeto de lei aprovado na Câmara e encaminhado ao Senado foi o substitutivo apresentado por Dandara. “Substitutivo” é o nome que se dá ao texto que altera o conteúdo original de uma proposta. Apresentado pelo relator, ele tem preferência na votação em relação ao projeto original, cuja proposição é de autoria da deputada Maria do Rosário, do PT do Rio Grande do Sul – ao qual, no decorrer de sua tramitação, se somaram vários projetos apensados, apresentados por diversos outros deputados.
Entre as mudanças postuladas pela reformulação da lei (veja o compilado das propostas no fim desta matéria), destacam-se a inclusão dos quilombolas entre os grupos beneficiados pela reserva de vagas, a redução da renda familiar per capita de 1,5 para 1 salário mínimo na reserva de vagas de 50% das cotas, o estabelecimento de prioridade para os cotistas no recebimento de auxílio estudantil e a ampliação do alcance das políticas afirmativas até a pós-graduação.
Pela lei atualmente em vigor, o sistema de cotas deveria ter sido revisado em 2022, uma década após a sua implementação. O Congresso, contudo, postergou o processo até este ano, dada a turbulência do contexto político do ano passado, marcado pelas eleições presidenciais. A nova legislação prevê que a avaliação periódica do sistema seguirá ocorrendo a cada dez anos, com ciclos anuais de monitoramento.
A lei de cotas
Sancionada em agosto de 2012 e implementada gradualmente, a Lei de Cotas garante a reserva de 50% das vagas por curso e turno no ensino superior – nas universidades federais e nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia – para alunos que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas. A outra metade das vagas é destinada à ampla concorrência.
As vagas reservadas são divididas ao meio: metade vai para estudantes com renda familiar bruta per capita igual ou menor que 1,5 salário mínimo, e a outra metade para estudantes com renda familiar bruta per capita maior que 1,5 salário mínimo. Esse parâmetro baixou de 1,5 salário mínimo para 1 salário mínimo (R$ 1.320 em valores atuais), patamar que especialistas consideram mais adequado à realidade social brasileira.
Em ambas as faixas de renda, são separadas vagas para pessoas com deficiência e para a soma de negros (pretos e pardos) e indígenas (e, com a reformulação, agora também os quilombolas) de cada estado, em conformidade com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa e outras informações estão disponíveis na página de “perguntas frequentes” sobre as cotas do site do Ministério da Educação.
Mudanças aprovadas na revisão
1) No mecanismo de ingresso, primeiro serão observadas as notas pela ampla concorrência e, posteriormente, as reservas de vagas para cotas;
2) Avaliação a cada dez anos, com ciclos anuais de monitoramento;
3) Atualização da nomenclatura e inclusão de ministérios responsáveis pelo acompanhamento da política;
4) Estabelecimento de prioridade para os cotistas no recebimento de auxílio estudantil;
5) Redução da renda familiar per capita para 1 salário mínimo na reserva de vagas de 50% das cotas;
6) Ampliação das políticas afirmativas para a pós-graduação;
7) Inclusão dos quilombolas nas cotas das instituições federais de ensino;
8) Vagas reservadas para subcotas não utilizadas serão repassadas primeiramente para outras subcotas e, depois, aos estudantes de escolas públicas;
9) Uso de outras pesquisas do IBGE, além do Censo, para o cálculo da proporção de cotistas nas universidades federais.