Pesquisa e Inovação

Spin-off da UFMG é adquirida pelo Grupo Bradesco

Empresa nascida em 2016, quando a Inteligência Artificial ainda estava circunscrita à academia, criou plataforma tecnológica que imita o funcionamento do cérebro

Nívio Ziviani e Alberto Colares
Nívio Ziviani e Alberto Colares, fundadores da Kunumi: modelo inédito de remuneração de uma universidade em um processo de transferência de tecnologiaFoto: arquivo pessoal

A spin-off Kunumi, nascida em 2016 no Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG, acaba de ser adquirida pela Bradesco Holding de Investimentos S.A. A negociação foi concluída no fim do mês de maio, após autorização do Banco Central. Criada pelo professor emérito da UFMG e pesquisador Nívio Ziviani e pelo empreendedor e CEO da Kunumi, Alberto Colares, a empresa inovou ao criar uma plataforma tecnológica que imita o funcionamento do cérebro.

Com sua rede neural artificial, a plataforma consegue analisar gigantescas bases de dados, encontrar padrões e propor soluções para diferentes problemas que poderiam levar décadas para serem resolvidos por seres humanos. “Em 2016, estávamos muito interessados em explorar a Inteligência Artificial, que ainda estava dentro dos muros da academia. Estávamos curiosos em saber se a IA se aplicava à doença de Alzheimer, para quantificar preços, para predizer alguma coisa. Então decidimos criar a Kunumi (menino, em tupi-guarani). Criança está associada à curiosidade, ao aprendizado, e temos esse espirito”, justifica Colares.

Nessa trajetória, a Kunumi atendeu clientes distintos, como bancos e hospitais. A lista inclui nomes como Braskem, Coca-Cola Brasil, Coca-Cola Atlanta, Spotify, Suzano, Unimed BH e Warner. “Nossa proposta sempre foi solucionar vários tipos de problemas em diferentes mercados. Isso exige uma estrutura mais robusta de pesquisa, pois não há uma solução pronta de Inteligência Artificial”, explica o CEO. 

O trabalho chamou a atenção do Bradesco, um dos maiores grupos financeiros do Brasil. As negociações foram iniciadas em setembro de 2023. Dois meses depois, o banco anunciou a compra da Kunumi no lançamento de seu hub de tecnologia e inovação no Porto Digital de Recife. “Criar uma empresa e fazê-la decolar é duro, mas é uma riqueza que a gente gerou com empregos nobres, qualificados”, afirma o professor Nívio Ziviani.

Em razão da necessidade de se adaptar aos diferentes problemas dos clientes, metade dos 80 funcionários são engenheiros. A Kunumi chegou a manter escritórios em Belo Horizonte, São Paulo e Roterdã, na Holanda. Com a pandemia de covid-19, o trabalho em home office foi estabelecido, mas agora a expectativa é que parte das atividades voltem a ser presenciais.

Histórico empreendedor
A Kunumi é a quinta empresa criada por Ziviani e seus parceiros e a quarta a ser adquirida: a primeira foi na área de metabusca, a Miner, fundada em 1998 e adquirida pelo Grupo Folha de São Paulo/UOL, em 1999. A segunda, criada em 2000, foi a Akwan, na área de busca, única a ser adquirida pela Google Inc. fora dos Estados Unidos, em 2005, seguida pela Neemu, empresa na área de busca no e-commerce, estruturada em 2010 e adquirida pela Linx em 2015. 

“Nesse processo, criamos muitas propriedades intelectuais e não fazia sentido ficar negociando cada transferência. Foi então que aprimoramos junto à CTIT [Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica, o núcleo de inovação da UFMG] o modelo de usufruto de ações. Isso significa que a Universidade tem os mesmos direitos que qualquer acionista em relação a dividendos e à venda da empresa, mas não tem direito a voto pelas ações que possui. A Kunumi nasceu tendo a Universidade como sócia, na forma de usufruto de ações”, explica Ziviani. Segundo o pesquisador, o valor da venda é sigiloso por força de contrato.

Ele enfatiza que esse modelo jurídico, que possibilita ter a UFMG como sócia, fomentando a interação entre academia e iniciativa privada, é resultado de 25 anos de esforços do próprio pesquisador e da Universidade, modelo que apelidou de paper to PIB [em referência ao Produto Interno Bruto]. Segundo Ziviani, usar estudos produzidos internamente, publicados no formato de papers (artigos científicos), para gerar riqueza, é uma das principais fontes de recursos de instituições como o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e a Universidade de Stanford, ambas nos Estados Unidos, com milhares de empreendimentos incubados e associados.

Arranjo jurídico inédito no Brasil
O modelo de usufruto de ações, adotado na negociação entre a UFMG e a Kunumi, é uma forma inédita no Brasil de remuneração de uma universidade por meio da transferência de tecnologias. A coordenadora executiva da CTIT, Juliana Crepalde, explica que, até então, o sistema mais adotado em negociações desta natureza era o pagamento por meio de royalties. “Para adotar o modelo de usufruto, a CTIT e a Kunumi se pautaram nos avanços do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, que permite às instituições de ensino e pesquisa serem sócias de empreendimentos inovadores. Desde 2004, existe essa previsão na legislação, que foi aperfeiçoada em 2016. A UFMG criou a figura de usufruto de ações para ser remunerada pelo aporte das tecnologias na empresa”, explica Crepalde.

Durante a negociação com a UFMG, o primeiro passo foi a criação de um ambiente de inovação que envolvesse o Departamento de Ciência da Computação, por meio do Laboratório de Inteligência Artificial (LIA). Assim, em outro arranjo pioneiro de inovação, as tecnologias geradas foram cedidas, em vez de serem transferidas para a Kunumi.

“Mais uma vez, a UFMG foi a primeira universidade brasileira a usar um modelo de inovação como esse. Em troca da cessão, a Universidade recebeu usufruto de ações, uma forma de participação acionária. Isso exigiu da CTIT evoluir nos mecanismos de negociação de tecnologias para esse modelo inédito, que até hoje é referência para outras universidades e institutos de pesquisas interessados em aplicá-lo”, afirma Crepalde.

Independência de atuação
Os empreendedores enfatizam a independência da Kunumi, que apesar da aquisição, não será uma empresa pertencente ao Bradesco. “Mesmo com a venda, seguimos com nosso CNPJ e continuamos com nossa cultura e nosso investimento em pesquisa e desenvolvimento. O que vamos fazer é elevar o status em IA a partir do Brasil; participaremos da conversa mundial não como usuários, mas como proponentes de IA. Faremos a Inteligência Artificial brasileira avançar, e isso certamente vai favorecer o grupo que nos adquiriu”, afirma Alberto Colares.

Segundo Ziviani, como parte do acordo, a parceria com o DCC, por meio do LIA, será estreitada com capacitações e especializações, inclusive recorrendo ao laboratório de forma remunerada, o que permitirá a continuidade na formação de mestres e doutores na área pela UFMG. 

Protagonismo em IA
Os empreendedores afirmam que, ainda em 2016, já previam o impacto gigantesco da IA, como o mundo tem visto atualmente.  “O curioso é que estamos numa curva tão ascendente que há oito anos esse assunto ainda estava no plano das discussões, e hoje estamos lidando com isso na prática cotidiana, o que parece inacreditável. Não somos uma empresa que usa ferramentas disponíveis em IA, somos autorais e queremos discutir várias formas de uso, como no serviço público, em saúde e na educação”, revela Colares.

Grandes investimentos serão necessários para que o Brasil se credencie como protagonista na corrida por essa nova forma de vivenciar o mundo. “Precisamos de mais incentivos no país, de mais discussão. Hoje, estamos discutindo a regulação da IA, mas não de seu desenvolvimento, e isso precisa mudar, porque agora não falamos de anos e, sim, de meses”, avalia o CEO. “Hoje, estamos otimistas em uma estabilização, mas, antes, teremos que ressignificar o que é trabalho, escola e assim por diante. Sabemos que a IA dá medo e representa uma ameaça existencial. Acredito que o mundo ficará cada vez mais complexo, e a IA vai ajudar a lidar com isso”, finaliza Alberto Colares.

Janaína Coelho | CTIT