Tese na Letras aborda metáforas digitais como instrumentos cognitivos
Estudo analisou peças publicitárias, estampas de camiseta, cartazes de protesto, memes, remixes, quadrinhos e cartuns
“Formatar o Brasil.” “Deletar os políticos.” “Desfazer uma gravidez.” Há um uso crescente de parâmetros e convenções digitais para se referir a coisas que existem e ocorrem fora do ambiente virtual – ou seja, no plano real da vida cotidiana – e isso tem promovido uma complexa reformulação do modo como se pensa e se experimenta a realidade.
Dito de outra forma, “estamos nos tornando cada vez mais digitais”. É o que sugere a tese Metáforas digitais do cotidiano, recentemente defendida por Ana Elisa Costa Novais no Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos (Poslin) da UFMG, sob a orientação da professora Vera Lucia Menezes de Oliveira e Paiva. Reportagem sobre o estudo foi publicada na edição 2017 do Boletim UFMG.
A tese é resultado de investigação linguística de natureza aplicada, com abordagem qualitativa e base interpretativista, em que foram analisados 31 textos, entre peças publicitárias, estampas de camiseta, cartazes de protesto, memes, remixes, quadrinhos e cartuns, mobilizando, para isso, uma perspectiva cognitiva da linguagem. “Investigo esses textos usando a teoria da metáfora conceitual, de base cognitiva. Ela sustenta que a metáfora é um instrumento cognitivo, e não apenas um instrumento da linguagem. O que a gente vê na superfície da linguagem acaba sendo o resultado de um processamento complexo que a gente faz; o que emerge e aparece na superfície dos textos é a metáfora linguística”, explica.
“Nossa paisagem comunicacional tem sido ocupada por botões de comando, mensagens de sistema, indicadores de progresso, ponteiros do mouse e outras convenções de interfaces digitais. Emergentes em textos de natureza diversa, esses recursos semióticos criados para mediar experiências digitais têm sido explorados na produção de sentido sobre nossas experiências, em diversas atividades de linguagem”, explica a pesquisadora.
Suas investigações de textos que usam elementos de interface gráfica – botões, janelas, caixa de mensagem – ou convenções digitais – como a opção “Ctrl+Z” – remontam a 2011, quando ela começou a perceber essas “erupções digitais no mundo físico” como fenômeno que ocupa praticamente todas as esferas da vida contemporânea, da tecnologia ao design gráfico, da moda à publicidade, da cultura bélica à cultura de consumo, da literatura às notícias.
Dado o volume que essas erupções alcançaram nos últimos anos, elas já foram até mesmo reunidas sob um rótulo teórico, denominado New Aesthetics. O termo foi cunhado nesta década pelo escritor e pesquisador James Bridle com base em suas observações da crescente aparição da linguagem visual da tecnologia digital no mundo físico, em uma espécie de entrelaçamento crescente entre dois mundos.
Ctrl+Z na vida real
Em programas de computador, a combinação de teclas “Ctrl+Z”, ativada nessa ordem, possibilita que se desfaça completamente a última ação realizada, em uma espécie de volta no tempo. Em sua tese, Ana Elisa mapeia aparições metafóricas desse recurso no plano físico, fora do ambiente virtual. Um exemplo é a ideia de se “desfazer” uma gravidez ou um acidente, por exemplo, que é enunciada como se fosse possível anular, no plano físico, todo o processo, a exemplo do que ocorre no âmbito digital.
“O desfazer é uma ideia genuinamente digital”, lembra Ana Elisa. Isso implica dizer que, enquanto no computador as consequências e o próprio processo de uma ação realizada desaparecem completamente quando a função “Ctrl+Z” é ativada, no mundo físico, ainda que se “desfaça” metaforicamente algo que se tenha feito, os efeitos (ou consequências) dessa ação e de seu processo em diversos aspectos permanecem. “Fabricar novos cenários é uma habilidade que temos com o uso da linguagem”, lembra a pesquisadora, chamando atenção para “o papel da tecnologia como mediadora da organização da linguagem em geral” na contemporaneidade. “Ao usar as convenções digitais para dizer sobre as coisas cotidianas, a gente está pensando por meio de parâmetros digitais”, afirma.
Tese: Metáforas digitais do cotidiano
Autora: Ana Elisa Costa Novais
Orientadora: Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva
Defesa: abril de 2018, no Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos