Ensino

Ela não foge dos problemas: equipe da UFMG vai representar o Brasil em torneio na Suíça

Vencedor de seletiva nacional, grupo se preparou em disciplina da graduação destinada à resolução de questões abertas no campo da física

Equipe da UFMG: Ubirajara, Renan, Giovanna, Maressa, Anna, Pietra, Felipe e Maria Carolina (da esquerda à direita)
Equipe da UFMG (a partir da esquerda): Ubirajara, Renan, Giovanna, Maressa, Anna, Pietra, Felipe e Maria CarolinaFoto: Arquivo pessoal

Anna Luisa Lemos, Felipe Kalil, Giovanna Fernandes, Maressa Sampaio, Pietra Zanni e Renan Alvim são os estudantes da graduação em Física da UFMG que representarão o Brasil no  Torneio Internacional de Física (IPT) , que será realizado em abril de 2024, na Suíça . A equipe, orientada pelos professores Maria Carolina Aguiar e Ubirajara Batista, do Departamento de Física do ICEx, venceu a seletiva nacional, o torneio BPT, disputado neste mês.

A competição nacional foi sediada na Universidade Federal do ABC (UFABC) e reuniu participantes de outras três instituições: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Essa é a terceira participação da UFMG no torneio e sua primeira vitória. A Universidade ficou em segundo lugar nas duas edições anteriores.

"O torneio brasileiro é bem recente, está apenas na sua sexta edição. Alguns países, como França, Ucrânia e Rússia, têm mais tradição no IPT. Aqui, estamos tentando crescer, trazendo mais equipes para o torneio nacional", conta Maria Carolina, que, junto com Ubirajara, criou uma disciplina de preparação para os torneios, intitulada Aprendendo física enfrentando problemas abertos. Na sua quinta oferta, a disciplina teve 20 alunos matriculados neste semestre, e seis foram escolhidos pela turma para representar os torneios.

"Eu e Carol fomos convidados para sermos jurados no período da pandemia. Percebemos que o BPT é excelente para aprender física. Resolvemos, então, montar uma disciplina e formar nossa equipe, que vem nos representar. A equipe pode variar, mas os melhores alunos, os mais envolvidos, são escolhidos para representar a turma", explica Ubirajara Batista.

Estudantes da disciplina 'Aprendendo física enfrentando problemas abertos', oferecida pelo Departamento de Física da UFMG
Estudantes da disciplina 'Aprendendo física enfrentando problemas abertos', oferecida pelo Departamento de FísicaFoto: Arquivo pessoal

A disciplina é oferecida semestralmente, mesmo que o torneio internacional ocorra uma vez ao ano. Alguns integrantes da equipe atual, como Giovanna e Maressa, cursaram a matéria pela vez em um semestre que não coincidiu com o primeiro torneio em disputa. "Isso ajuda, porque o calendário para resolver os problemas é muito apertado. Os problemas foram divulgados em setembro, e o torneio nacional ocorreu no início de dezembro. Foram três meses para tentar resolver os 11 problemas em aberto, que não têm solução", informa Maria Carolina.

Sem solução conhecida
Segundo a professora, adquirir conhecimento antecipadamente, por meio de pesquisas na literatura e, em seguida, com experimentos, é essencial para resolver problemas em aberto. "Estamos falando de questões sem solução conhecida. Às vezes, existem artigos relacionados, outras vezes, não. Não há um roteiro sobre como resolver esses problemas; é preciso ser criativo, pensar como resolver experimentalmente, ir para um laboratório, fazer medidas", explica Maria Carolina.

No momento de experimentação, é necessário que haja colaboração entre diversos departamentos da UFMG. "Todos foram muito abertos e receptivos. Sempre nos ajudaram, fornecemos detectores e materiais. Fomos muito bem acolhidos tanto no Departamento de Física quanto em outros departamentos", relata Maressa, capitã da equipe. "Nós usamos vários recursos. Tivemos ajuda da Escola de Música, da Engenharia e até da Rádio UFMG Educativa. Todo mundo se anima muito com os problemas e com a perspectiva de encontrar uma solução", acrescenta Giovanna.

O torneio nacional, conhecido por Torneio Brasileiro de Físicos (BPT), é organizado nos moldes da versão internacional. São quatro batalhas, chamadas de Fights, e uma final. Cada equipe apresenta e defende seu problema em 10 minutos. A UFMG conquistou 223,15 pontos, seguida da anfitriã, a UFABC, com 215,03, e da Unicamp, com 213,63. “Embora seja um torneio, a ideia é que seja divertido, que a gente aprenda física enquanto está lá. Não há um clima agressivo entre as equipes”, ressalta Maria Carolina. “Depois que o vencedor for anunciado, pode haver troca de informações entre as equipes que participaram para melhorar a solução de problemas que não foram muito trabalhosos. Nossos alunos já estão conversando com estudantes de outras universidades para aprimorar seu conhecimento”, acrescenta a professora.

Finalistas da sexta edição do BPT
Finalistas da sexta edição do BPTFoto: arquivo pessoal

A equipe destaca, ainda, a importância da disciplina Aprendendo física enfrentando problemas abertos e da orientação dos professores. "Os problemas, às vezes, são muito difíceis, e você não vai conseguir resolver. Eu diria que é quase impossível fazer todos. Mas precisamos tentar. Por isso, a disciplina é essencial no preparo para o torneio. É preciso realmente pôr a mão na massa”, relata Maria Carolina. "A disciplina é bem diferente das aulas que a gente tem na graduação, que são mais teóricas e com roteiro. Precisamos de uma orientação mais incisiva, de alguém que já faça pesquisa para nos mostrar os caminhos e nos criticar", afirma Giovanna.

"A disciplina vai além do torneio, não só porque os conhecimentos físicos das matérias aprendidas são aplicados, de forma prática, ao longo da graduação, mas porque ganhamos uma bagagem de pesquisa que nos acompanha ao longo da vida. Participar do torneio abre diversas oportunidades, como escrever um artigo, participar de eventos de divulgação e conhecer várias pessoas nesse tempo", comenta a capitã Maressa. Giovanna acrescenta: "A disciplina proporciona um senso crítico que talvez não se adquira na graduação. É importante saber os seus limites, seus pontos fracos e os pontos em que precisa melhorar."

Competição internacional
O Torneio Internacional de Físicos foi criado em 2009 pela Rússia e pela Ucrânia. Atualmente, reúne delegações de 21 países, dos quais seis já têm vaga garantida: Suíça, Polônia, França, Ucrânia, Alemanha e Itália. "Para a Física, isso é muito interessante. Você incentiva os alunos a trabalhar em problemas atuais de pesquisa e a colaborar internacionalmente", observa Maressa.

'Halo de vidro': investigação de formação de halos circulares em vidro;  problema apresentado na quinta edição do BPT
'Halo de vidro': investigação de formação de halos circulares em vidro, problema apresentado na quinta edição do BPTImagem: Arquivo pessoal

Questionado sobre o estágio da UFMG em relação aos países europeus que utilizam altas tecnologias em seus experimentos, o professor Ubirajara comenta que os laboratórios da UFMG são comparáveis aos melhores do mundo. "Não temos desfalque tecnológico, nem de pessoal. Temos déficit de recursos. O dinheiro que países europeus fornecem de forma instantânea, nós conseguimos com muito custo. Acho que essa é a maior discrepância." 

Maria Carolina salienta, por outro lado, que o IPT tem feito um esforço em proporcionar problemas mais acessíveis, que prescindem de recursos volumosos. “Com a pandemia, o acesso aos laboratórios era muito limitado, e obtivemos a proporção de problemas que precisavam de menos equipamentos caros para solucionar." 

Apesar da conquista do primeiro lugar no BPT, o futuro da equipe é incerto. A Sociedade Brasileira de Física contribuirá com 16% do valor necessário para que a participação do Brasil no IPT ocorra. O resto do financiamento ainda depende de outros patrocínios. O torneio será no ano que acontece em Zurique, na Suíça, de 2 a 6 de abril. "Mas já estamos envolvidos com os 17 problemas selecionados para o torneio. Essas férias serão de muito trabalho", prevê Maressa.

Os estudantes estão iluminados com a tarefa de representar o Brasil internacionalmente. A equipe da UFMG é a única a contar com uma capitã e tem mais mulheres que homens em suas fileiras. "É uma mistura de sentimentos. Fico muito feliz que nosso trabalho seja reconhecido. Mas bate um nervosismo, porque estamos representando o país", diz Giovanna. “É gratificante, mas é uma responsabilidade. A gente quer mostrar que o Brasil tem capacidade de fazer ciência de ponta”, acrescenta Maressa.

Para quem pensa em se juntar à equipe nos próximos torneios, os estudantes aconselham se matricular na disciplina Aprendendo física enfrentando problemas abertos. Segundo elas, com essa vivência o estudante pega ritmo, entende como as coisas funcionam, aprendem a atacar os problemas e a montar sua apresentação. O segredo, recomendam elas, é pegar firme, se divertir no meio do caminho e se encantar com a beleza dos problemas. Assim como na vida.

Beatriz Tito Borges