Pesquisa e Inovação

Um em cada três professores tem trabalho limitado por distúrbios na voz

Tese defendida na Faculdade de Medicina revela que problema é a principal causa de absenteísmo entre esses profissionais

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Estudo foi feito com base em amostra com 6,5 mil professoresLucas Braga | UFMG

O Brasil tem cerca de 1,4 milhão de professores em atuação no ensino fundamental, de acordo com o Censo Escolar da Educação Básica de 2019. Trata-se de uma categoria ocupacional que está adoecendo cada vez mais no ambiente de trabalho e tem na voz – ou na falta dela – a sua principal queixa. Tese defendida no Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina mostra que um em cada três professores relata limitação no trabalho por distúrbios vocais.

A pesquisa usa como referência o estudo Educatel Brasil: análise dos condicionantes de saúde e situação do absenteísmo-doença em professores da educação básica no Brasil, desenvolvido em 2015 e 2016 pelo Núcleo de Estudos Saúde e Trabalho (Nest) da Faculdade de Medicina da UFMG.

Com base em amostra de 6.510 professores da pesquisa Educatel, a fonoaudióloga e autora da tese, Bárbara Antunes Rezende, constatou que os educadores brasileiros estão expostos a condições de trabalho inapropriadas. Um terço dos entrevistados relatou prevalência de ruído elevado nas escolas no Brasil.

Depressão, ansiedade e violência
De acordo com Bárbara Antunes, a percepção de limitação das atividades docentes devido ao distúrbio da voz foi mais frequente entre professores que usavam medicamentos ansiolíticos ou antidepressivos, que perdiam o sono por preocupações ou que relataram alta exigência no trabalho e violência verbal praticada pelos alunos.

A prevalência de ruído intenso nas escolas brasileiras também foi muito mencionada pelos professores, principalmente os de escolas localizadas na região urbana e onde eles eram mais de 30. Profissionais que atuavam em mais de um segmento de ensino e que relataram piores condições organizacionais do trabalho também se disseram prejudicados.

A pesquisadora acredita que os achados de seu estudo podem contribuir para a elaboração de políticas públicas. Ela lembra, ainda, que o Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho (DVRT) foi incluído, neste ano, na lista de doenças ocupacionais. “Trata-se de um avanço, porque o professor que adoece devido a condições desfavoráveis no ambiente de trabalho passa a ter respaldo legal”, comenta.

Estratégias
Segundo Bárbara Antunes, existem projetos focados na saúde do professor, com estratégias individuais, como a capacitação para cuidados com a voz, e coletivas para evitar o adoecimento.

“Os resultados da tese ampliaram os esclarecimentos sobre as condições de trabalho e as limitações que os problemas de voz podem acarretar na prática docente. O adoecimento não deve ser analisado apenas no aspecto individual. É necessário olhar para o contexto social e do trabalho e elaborar estratégias para redução do ruído nas escolas e na construção ou reforma das unidades de ensino que levem em conta esse aspecto”, sugere Bárbara Antunes Rezende.

Novos desafios
Ainda que o estudo Educatel revele condições de trabalho baseadas em dados coletados em 2015 e 2016, Bárbara afirma que a literatura sobre o tema não tem indicado avanços ao longo do tempo. Pelo contrário, os profissionais estão enfrentando novos desafios, como lidar com problemas familiares de alunos e as próprias mudanças do ensino presencial para a modalidade remota devido à pandemia da covid-19.

“O professor não está dentro da escola, mas é obrigado a enfrentar situações novas, como as aulas virtuais e a preocupação com o processo de aprendizagem dos alunos. E nenhum professor se preparou para isso. Mesmo que não estejam expostos a ruídos no ambiente de trabalho, possivelmente enfrentam sobrecarga de tarefas. Daqui a algum tempo, as pesquisas vão apresentar os efeitos desse contexto de aulas virtuais”, prevê Bárbara Antunes Rezende.

TeseCondições de saúde vocal e do trabalho dos professores brasileiros: Educatel, 2015-2016
Autora: Bárbara Antunes Rezende
Programa: Pós-graduação em Saúde Pública
Orientadora: Adriane Mesquita de Medeiros
Coorientadora: Mery Natali Silva Abreu
Defesa: 6 de dezembro de 2019

Giovana Maldini | Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina