Saúde

Universidades, parlamentares e empresariado unem-se para acelerar imunização

Em encontro, Sandra Goulart Almeida defendeu investimentos na pesquisa e na indústria para viabilizar o desenvolvimento de uma vacina brasileira

Representantes do empresariado e dos meios político e acadêmico participaram do encontro
Representantes do empresariado e dos meios político e acadêmico participaram do encontro Reprodução de tela: Raphaella Dias | UFMG

Existe caminho para acelerar o processo de vacinação no Brasil. Universidades, parlamentares e empresários estão articulados para encontrar soluções para o estado de calamidade vivido pelo país, que bate diariamente recordes de mortes por covid-19. Várias iniciativas foram esboçadas em reunião realizada na tarde desta quarta-feira, 17. A reitora da UFMG, Sandra Regina Goulart Almeida, participou do encontro e lembrou que a travessia será difícil. “Provavelmente teremos de enfrentar esse vírus por muito tempo. Só vamos superar a pandemia com ações coletivas e de solidariedade”, defendeu.

Jonas Donizette, ex-prefeito de Campinas (SP) e hoje presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), reportou tentativas que têm sido feitas para antecipar o recebimento das vacinas a que o Brasil tem direito nos consórcios dos quais participa. “O argumento seria não só a questão humanitária, mas a segurança do mundo, para que não haja um descontrole global da doença”, disse. Outra estratégia em estudo é a negociação de permutas com países que contam com sobras de vacinas contratadas ou estocadas, mas sem autorização para uso.

Exemplo são os EUA, que têm milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca guardadas, mas sem poder usar. A ideia é que esses imunizantes sejam repassados aos municípios brasileiros em forma de permuta, sob o compromisso de que o Brasil compensará quando – e se – os países remetentes precisarem dessas doses. O “se” surge em consideração ao superávit de vacinas com que contam as nações cujos governantes fizeram as aquisições antecipadas. Quando chegar a hora, talvez nem mais precisem desses estoques.

Jonas Donizette acredita que o processo deve ser facilitado pela aprovação recente de legislação que possibilita que, em caso de descumprimento do Plano Nacional de Imunização (PNI) pelo governo federal, estados e municípios adquiram, por meio da Frente Nacional de Prefeitos, as vacinas, como já começa a ocorrer em Manaus.

Além de Donizette, também participaram da reunião, da parte do legislativo, o deputado federal Hiran Gonçalves, presidente da Frente Parlamentar da Medicina (FPMed), e o deputado Luiz Antônio Teixeira, que está à frente da Comissão Externa de Enfrentamento da Covid-19 da Câmara dos Deputados e da Comissão de Seguridade Social e Família.

Sem precedente
“O Brasil precisa reorganizar o seu Programa Nacional de Imunizações. O que está acontecendo não tem precedente na história. Precisamos vacinar 24 horas por dia”, defendeu o deputado Luisinho Teixeira, chamando a atenção para os problemas logísticos que vêm sendo enfrentados, com vacinas reservadas para uso como segunda dose, quando talvez não houvesse necessidade, haja vista as remessas já programadas. “Precisamos de uma estratégia nacional de saúde”, clamou.

Hiran Gonçalves, por sua vez, ressaltou a necessidade de o Brasil fabricar suas próprias vacinas até como forma de ajudar países mais pobres: “Há muitos países que dependem da nossa expertise”, disse.

Luisa Trajano
Luiza Trajano, do Magazine Luiza: sociedade civil mobilizadaReprodução de tela: Raphaella Dias | UFMG

A empresária Luiza Helena Trajano enumerou as ações realizadas pelos movimentos Mulheres do Brasil e Unidos pela Vacina, que têm atuado como polos centralizadores de iniciativas da iniciativa privada para solucionar as lacunas deixadas pelo governo federal no combate à pandemia. “A gente não inventa a roda, a gente não inventa uma nova ONG, nada: a gente procura juntar o que já existe, trabalhando em conjunto com governos regionais e prefeituras”, disse Trajano. O objetivo é viabilizar, de forma customizada, insumos e/ou soluções, contornando as burocracias estatais.

Acesso universal
O encontro foi mediado pelo professor Rubens Belfort Jr., presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM). As reitoras da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, e da Unifesp, Soraya Smaili, que foi uma das organizadoras, também participaram como representantes das universidades.

Sandra Goulart Almeida louvou as estratégias que buscam acelerar a vacinação discutidas por prefeitos e parlamentares, mas insistiu que a saúde precisa ser pensada, no Brasil, como um bem público, de acesso universal. Ela e as demais reitoras destacaram o papel das universidades no desenvolvimento de uma vacina nacional. “O Brasil já tem três ou quatro vacinas prontas para chegar à fase clínica. O que precisamos agora? Investimento”, resumiu Denise Carvalho. “Hoje, o maior problema está no orçamento dos ministérios da Educação e da Saúde”, complementou Soraya Smaili, que celebrou o trabalho conjunto feito pelas universidades federais brasileiras para superar os gargalos que têm sido impostos a elas.

Uma dessas candidatas a vacina prestes a passar dos testes pré-clínicos para os testes clínicos é desenvolvida na UFMG, lembrou Sandra Goulart. Contudo, para que essa e outras vacinas possam ser efetivamente produzidas, será preciso não apenas investimento nas instituições de pesquisa e nas universidades federais, mas também na indústria nacional, que deixou de produzir os Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs), matéria-prima essencial dos imunizantes. Sua fabricação está hoje concentrada na China e em outros poucos países.

Sandra: universidades trabalhando em conjunto
Sandra: autossuficiência é crucialReprodução de tela: Raphaella Dias | UFMG

Soberania nacional
Sandra defendeu a necessidade de promover com urgência uma inflexão nessa trajetória e voltar a direcionar recursos para as instituições de pesquisa brasileiras e para a indústria de saúde nacional. “Precisamos desenvolver uma indústria de ponta na área de saúde”, resumiu. “É uma questão de soberania nacional alcançarmos a capacidade de produção de vacinas.” Denise Carvalho endossou: “Não podemos ficar reféns das indústrias estrangeiras. Temos de ser autossuficientes na produção de insumos para as vacinas”.

Enquanto a reunião ocorria, chegou a informação de que o Congresso Nacional havia derrubado os vetos do presidente Jair Bolsonaro à Lei Complementar 177/2021, que proíbe o contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A notícia foi recebida com alívio. Na prática, a derrubada dos vetos garante que os recursos do fundo sejam usados para financiar pesquisas e desenvolvimento, inclusive de medicamentos.

Além de Rubens Belfort, presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM), participaram da reunião Acácio Alves de Souza Lima Filho, presidente da Academia de Ciências Farmacêuticas do Brasil (ACFB), e Luiz Davidovich, que dirige a Academia Brasileira de Ciências (ABC). “Sozinho, o FNDCT não é nem de longe suficiente. É preciso uma grande coalizão pela ciência para fazer o Brasil andar. Se o Brasil não mudar, não vamos escapar da próxima pandemia", alertou Davidoch.

Ewerton Martins Ribeiro