Violência contra a mulher cresce durante a pandemia
Professora Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher, analisou situação, em entrevista ao programa Conexões
Com o confinamento social, medida de combate à pandemia causada pelo novo coronavírus, os casos de violência contra mulheres e meninas têm aumentado em todo o mundo. O alerta foi feito nesse domingo, 5, pelo secretário-geral da ONU, António Guterres. Em mensagem de vídeo, Guterres lembrou que, para muitas mulheres, a maior ameaça está dentro de casa. Ele afirmou ainda que ações e recomendações para que as pessoas não saiam de casa podem se tornar armadilhas para mulheres com parceiros abusivos.
O secretário-geral da ONU sugeriu também que o crescimento do medo e de tensões econômicas e sociais podem estimular agressões. Segundo Guterres, em alguns países, duplicou o número de mulheres que telefonam para serviços de apoio e proteção. No Brasil, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, as denúncias de violência doméstica aumentaram 17% após o início das medidas de isolamento social em alguns estados.
De acordo a professora do Departamento de Ciência Política da UFMG (DCP) Marlise Matos, a estrutura social, machista e patriarcal, contribui para o aumento da violência neste momento. Em entrevista ao programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, nesta terça-feira, 7, a coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) lembrou que a violência contra idosos e crianças também tende a crescer com o confinamento.
"Todas essas formas de opressão tendem a se acentuar e se agudizar neste momento de confinamento social, onde [as pessoas] estão em contato direto e permanente", afirmou.
Para Marlise Matos, o mais preocupante no cenário atual é que há um crescimento de uma violência que já alcançava índices preocupantes muito antes da pandemia. Dados da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres mostram que, em 2019, sete de cada dez vítimas de feminicídio foram mortas dentro de seus lares.
"O grande dilema que vivemos neste momento é que a gente já trabalhava com indicadores de violência contra mulheres e meninas, violência sexual, doméstica e intrafamiliar, em patamares e magnitudes estratosféricas e muito graves", ponderou.
Segundo a professora, "é muito importante falar disso publicamente”. Ela lembrou que, agora, "neste momento de confinamento", muitas mulheres não terão nem mesmo acesso ao telefone celular para fazer denúncias, e que, por isso, os vizinhos devem estar a gritos e brigas e, em alguns casos, terão que intervir.
"Isso pode significar o salvamento de uma vida. Eu bater nessa porta, chamar no interfone, me deslocar alguns metros, e alertar que alguém está ouvindo [aquela violência] pode significar a sobrevivência de uma mulher", explicou.
Ações governamentais
Com a divulgação do aumento da violência, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, anunciou, na semana passada, que o governo vai lançar um aplicativo para denúncias de violações aos direitos humanos, no qual as mulheres vão poder fazer denúncias de agressões. No Legislativo, dois projetos apresentados também abordam o tema. Um é o 1.319/2020, de autoria do deputado Delegado Antônio Furtado (PSL), que prevê que as penas aplicáveis aos crimes de violência doméstica sejam dobradas enquanto durar o estado de calamidade pública.
Já o projeto 1.368/2020, de autoria da deputada Maria do Rosário (PT), propõe, além de aplicativo, um plantão telefônico local para receber denúncias. Pela proposta, também poderá ser estabelecido convênio para que o Disque 180, número nacional, repasse denúncias urgentes às redes de atendimento local, que incluem delegacia especializada e conselho tutelar. O texto estabelece que, para casos de estupro e feminicídio, deve ser mantido o atendimento presencial. Além disso, prevê que as medidas protetivas determinadas pela Justiça, como de afastamento do agressor, sejam prorrogadas enquanto durar a emergência de saúde pública.
Na avaliação de Marlise Matos, todas essas medidas, embora não resolvam o problema, são necessárias e “muito bem-vindas” neste momento, pois demonstram, para a mulher que é vítima de violência, que ela não está desamparada. “É importante que essas mulheres percebam que há alguém fazendo algo por elas e que os agressores se sintam intimidados. É importante que projetos dessa natureza prosperem para que essa mulher se sinta minimamente protegida e acolhida neste momento”, analisou.
Redes de apoio
Essas medidas que partem do Executivo e do Legislativo, no entanto, são insuficientes, de acordo com a professora, embora sejam as possíveis neste momento. Marlise Matos destacou a importância da criação de uma rede de apoio, que esteja ciente da condição de risco da mulher que é vítima de violência. “Mesmo que ele não esteja vivenciando algum tipo de violência neste momento, é importante ter pessoas que possam socorrê-la em emergências”, explicou.
Na entrevista, Marlise Matos citou algumas medidas que a mulher pode adotar, neste momento, além de avisar parentes, amigos e vizinhos que está em situação de vulnerabilidade. Uma delas é preparar um cômodo da casa no qual possa se trancar e ter acesso a um telefone, para pedir ajuda; outra é esconder objetos que possam ser utilizados pelo agressor em momento de descontrole, como facas, tesouras e outros objetos cortantes.
"Infelizmente estamos falando de medidas absolutamente urgentes e emergenciais para situações que são limite. Não é um alarmismo desnecessário", destacou a professora.
Em casos de violência contra a mulher, qualquer pessoa pode e deve denunciar. Além dos números nacionais (100 e 180), também é possível fazer a denúncia, de forma anônima, pelo 190, da Polícia Militar.