Niemeyer receberá Honoris Causa dia 3

Comemorar é lembrar

Aprendemos com os historiadores e com os filósofos - sobretudo com a filósofa Hannah Arendt - que a história, é preciso contá-la. Poetas e historiadores têm a tarefa de acionar o processo narrativo e envolver-nos nele. Da universidade, cada uma de suas histórias é preciso que se fale. O discurso torna-nos mais humanos e torna-nos mais próximos uns dos outros. Esta universidade tem muitas histórias... muitas delas estão contadas cientificamente em teses e pesquisas, outras são memória de cada um dos seus alunos, seus professores, seus funcionários. Os homens e a mulheres que passaram por esta universidade podem contar dela, e certamente vão contando, estarão por aí contando: para que se saiba o que é o compromisso e a esperança. Muitas histórias estarão repetidas, algumas são melhor contadas por uns que por outros, todas têm seu lugar. Repeti-las tornam-nos mais próximos uns dos outros e dos sonhos e dos projetos que instauramos. No momento em que os 30 anos da Faculdade de Educação se inscreveu nas nossas agendas, começamos a contar esse tempo. Alguns de nós com um tempo de lembrança que cabe em 30 anos, outros com um tempo que vai além, quando se dizia apenas Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, outros com um tempo em se fala da Fae da Federal (contra o que me insurjo sempre, afinal a federal pode ser até a Polícia). Para todos há lembranças. Alguns e algumas vão se lembrar de que havia um murinho no qual confissões e inconfidências eram atualizadas a cada dia. Nele, inscrições eram pedidas: polop? ap? pc? pc do b? alguns pedidos nada rendiam - ah, essa burguesia enfeitada...- outros levavam ao extremo causas e bandeiras. Com conseqüências. Nele, nomes de pílulas anticoncepcionais eram trocados. A maioria de nós, nos anos 60, era do tempo em que casávamos primeiro e depois tínhamos filhos. Mas nos rebelávamos, fosse só dando apoio, fosse fazendo rebeliões intra-muros. Com muito prazer. A educação, diziam-nos,— e o problema era que acreditávamos — é a salvação da nação (apesar do mau-gosto da rima). Então, planejávamos os currículos que incluiriam a educação como prática da liberdade, certas de que estaríamos na linha de frente quando fosse a hora da pedagogia do oprimido; certas de que era preciso tornar-se pessoa (mesmo que não nos deixassem lembrar do Pessoa), de que o ensino centrado no aluno substituiria com êxito o ensino sentado no aluno. Perguntas dilaceravam nossos corações, mas ativavam debates inflamados em semanas de educação, educação é ideologia? ou é utopia? afinal, qual a diferença entre educação e pedagogia? ensinar, educar e instruir...Summerhill — tão almejado — era um lugar longe, talvez não existisse, mas mesmo assim era para ali que queríamos ir ver a banda passar, e não ficar na janela como as carolinas. Tudo isso para não dizer que não falávamos de flores. De mão em mão, circulavam livros, do iseb, importados mas sem o nome da editora, que às vezes eram pacientemente datilografados e passados no mimeógrafo a álcool: o cheiro era inebriante. "Queimávamos" cópias de textos em uma máquina que nem se sabe mais o nome. Os livreiros estavam nos corredores e viciaram algumas, irremediavelmente, em contas intermináveis em livrarias. Havia uma espécie de febre pelo futuro, a vida acadêmica era a meta — realizada — de muitas. E fizemos concursos, tão antigos que o nome era em latim. O concurso era modesto, para auxiliar de ensino — mesmo que não tivéssemos a quem auxiliar, pois a cátedra estava extinta! com toda a pompa... — mas o nome era pomposo: venia legendi. Houve quem publicasse no jornal o nome... Em regime de doze horas auxiliávamos o ensino. Mas podia-se pleitear mais. "Lá na medicina tem um professor que dá dedicação exclusiva. Com isso ganha-se muito mais, mas só se pode trabalhar para a universidade, exclusivamente. Mas há que pedir". E fomos pedir, ao gentil professor que era presidente da copertide, para então começar a aprender as regras de convivência e que podíamos ser exclusivas, mas havia que merecer. Assim começamos a aprender, para nunca mais acabar de aprender, que a convivência é universitária. Fizemos muitos concursos depois deste, fizemos seleção para mestrado (isto sim, foi uma grande novidade!), para doutorado, datilografamos nossas dissertações e teses, que corrigíamos com um líquido que tinha cor e cheiro de esmalte, e saudamos a libertação das datilógrafas com o advento da máquina elétrica com "margarida" e fita corretiva. Descobrimos que ao país interessava o aperfeiçoamento do pessoal docente e fomos para o exterior descobrir que a comunidade científica era muito além de nossas portas ou do rio de janeiro, que os livros que líamos eram escritos por pessoas de carne e osso e estavam interessados em nos escutar. Nossa particularidade, nossa identidade fazia diferença e poderíamos falar dela nos livros que escreveríamos. Não são histórias essas, muito menos história. Apenas comemoro, datas, idéias, lugares. Uma instituição balzaquiana. Com memória ou sem memória de algumas coisas me lembro, outras nunca esquecerei. Sem contar aquelas de que nunca me lembrarei.

Eliane Marta Teixeira Lopes - professora Titular da Faculdade de Educação aposentada.