UFMG já tem proposta de autonomia

Entrevista com: Francisco César de Sá Barreto

UFMG já tem proposta de autonomia

Coincidindo com a comemoração do Dia da Universidade, 10 de dezembro, o reitor Francisco César de Sá Barreto falou, nesta edição especial do Boletim, sobre as dificuldades orçamentárias das universidades federais e avaliou o progresso de algumas das principais metas de sua gestão, como a flexibilização curricular e a autonomia para a UFMG. O Reitor adiantou: "Temos uma proposta de autonomia já montada, que só aguarda a análise jurídica para ser fechada nos próximos dias".

Boletim: A Reitoria já tem alguma previsão do orçamento da UFMG para 1999?

Sá Barreto: Ainda não temos a informação oficial, mas estimo que a proposta inicial de orçamento para o ano que vem sofrerá um corte de aproximadamente 30% no item OCC (Outros Custeios e Capital), que se destina a despesas como água e luz, por exemplo. No orçamento total haverá uma redução de 3% em relação à proposta original, que tinha como base o orçamento de 98, embora com um ligeiro aumento. Será um corte muito grande, mas os reitores estão em negociação com o Congresso para a aprovação de uma emenda que recomponha o orçamento das federais.

B: Há uma tendência à diminuição anual do orçamento do Tesouro para as universidades federais?

SB: Sim. Em valores atualizados e globais, em 1995 foram executados para as universidades públicas federais R$ 358 milhões. Em 1996 o valor caiu para R$ 322 milhões. Em 1997, foram repassados R$ 315 milhões. O orçamento nominal para 1998 seria de R$ 297 milhões, mas não será executado esse valor total). Em 1999, além dos cortes, não tenho dúvida, haverá algo ainda mais grave: a não reposição dos docentes e funcionários técnico-administrativos que estão se aposentando a partir de agora.

B: Como está o déficit no quadro de pessoal da UFMG?

SB: No quadro de docentes, temos um déficit de cerca de 500 professores, que deveriam ter sido repostos até o final deste ano, conforme desejo do ministro Paulo Renato Souza. Temos também um déficit, em relação ao quadro histórico, de mais de 900 funcionários. Preocupa-me o fato de que muito provavelmente não haverá reposição dos professores nem das novas aposentadorias. Teríamos, assim, um corte efetivo de pessoal, além do corte na manutenção.

B: Outras formas de captação de recursos também podem ser afetadas?

SB: É através da captação de recursos com pesquisa e prestação de serviços que várias unidades acadêmicas têm garantido a sua manutenção. Mas esses recursos também serão afetados. Primeiro porque as agências financiadoras, sobretudo as federais, estão sofrendo cortes. Segundo porque a captação com prestação de serviços será provavelmente reduzida, por causa do efeito da política financeira. Continua nas páginas 4 e 5.

Leia artigo do Reitor na página 2

 

"Educação a Distância será meta prioritária"

Continuação da capa

B: Sabendo-se que os recursos são cada vez mais escassos, qual será a orientação da Reitoria para a execução do orçamento?

SB: Primeiro precisamos ter um quadro completo do orçamento. Certamente teremos que priorizar algumas áreas. O que vamos fazer neste momento é a-pontar as grandes metas da Universidade, como a graduação e a questão universidade-sociedade. Dentro dessas metas, teremos uma série de programas acadêmicos e culturais. Eles serão priorizados de acordo com a missão da Universidade. Obviamente, a definição de onde deveremos aplicar mais recursos terá impacto no orçamento. Em dois ou três meses teremos isso mapeado. Recentemente, numa reunião da equipe da administração central, fizemos uma boa discussão de temas como orçamento, autonomia e graduação. Agora vamos transformar isso num planejamento estratégico para a Universidade.

 

B: Como conciliar tantos cortes com a proposta de ampliação de vagas?

SB: Estou incentivando algumas iniciativas nas áreas acadêmica e de pessoal. Uma delas é a oferta de cursos seqüenciais, com a utilização de disciplinas que têm vagas ociosas. Outra é o investimento na educação a distância, que certamente será uma meta prioritária. Temos ainda uma proposta para os alunos de doutorado. A UFMG tem cerca de mil doutorandos. Eles poderiam participar de um projeto de ensino, como monitores, dando aulas na graduação com a ajuda de tutores. Dentro de um programa de flexibilização, o monitor receberia créditos pelas aulas dadas. Com isso, ele estaria sendo treinado e, ao mesmo tempo, fortalecendo o trabalho docente da UFMG. Em relação ao funcionário técnico-administrativo, queremos mapear todo o pessoal e fazer um remanejamento, requalificando-o. Com isso, daremos mais eficiência ao sistema. Esse é um projeto estrutural que resolve ao mesmo tempo o problema conjuntural do corte de verbas.

B: Que parcela do déficit no quadro de professores seria coberto pelo projeto de monitoria de pós-graduação?

SB: É preciso ter cuidado com as relações númericas para que não pareçam uma coisa sem interesse acadêmico. Mas se esses mil doutores, sem contar os mestrandos, tivessem uma atividade acadêmica de quatro horas semanais, eles fariam quatro mil horas. Como um docente da Universidade dá em média dez horas semanais, isso equivaleria a 400 professores.

B: Esse projeto poderia ser implantado já em 1999?

SB: Creio que sim. Tive uma reunião com a Câmara de Pós-Graduação, que ficou de conversar com os chefes de departamentos e coordenadores de pós-graduação. Essa atividade já existe em alguns lugares da Universidade, como nos cursos de Administração, Computação e Bioquímica.

B: A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) disse recentemente que as universidades públicas brasileiras gastam cerca de 14 mil dólares com cada aluno de nível superior. O senhor concorda com esse cálculo?

SB: A OECD procurou, segundo disseram, usar os mesmos parâmetros para todos os países, de forma a poder fazer comparações. Os dados de uma análise feita por mim num artigo que está sendo criticado por colegas, mostra o seguinte: considerando apenas as universidades federais, se pegarmos todo o orçamento executado pelo governo, incluindo hospital, aposentados, precatórios e a folha de ativos, e o dividirmos pelo número de estudantes das federais, o custo por aluno é inferior a R$ 12 mil. Isso dá cerca de 9 mil dólares. Agora, se retirarmos desse total o que é pago aos aposentados, precatórios, parte do que é gasto com hospital universitário, já que só uma parte das atividades do hospital é de graduação, o custo do aluno fica em torno de R$ 5.500, valor comparável ao custo nas universidades privadas. Só que, ao fazer esse cálculo, eu considero o salário integral do docente. O salário integral cobre também pesquisa e extensão. Na análise desses números é importante ter com clareza os parâmetros dos cálculos. O governo brasileiro, através dos impostos pagos pela população, investiu na universidade pública federal, no ano passado, cerca de R$ 5,7 bilhões. Para isso ele pagou hospitais, aposentados, etc. Mas hospital é função de outro ministério e aposentadoria, em princípio, não deveria ser contada como investimento em aluno de graduação. Quando se retira isso, o custo é outro. A informação tem que ser científica, não pode ser ideológica.

B: Falando em hospitais, qual a atual situação financeira do Hospital das Clínicas?

SB: O Hospital das Clínicas, graças a Deus, está financeiramente equilibrado: não tem déficit nem está representando despesa para a Universidade. Mais: tem recursos próprios para investir em sua infra-estrutura e para recuperar todo o primeiro andar do Hospital Borges da Costa, cuja obra será iniciada nos próximos dias.

B: Como está o projeto da flexibilização curricular da graduação?

SB: O projeto foi definitivamente aceito pela comunidade universitária. E está para ser implantada a chamada flexibilização horizontal, que dará crédito a toda e qualquer atividade que o estudante tenha no seu curso, seja participação em congressos, estágios, enfim, tudo o que faça parte da grade curricular. Acho que os cursos estão preparados para isso. Ainda não estamos preparados para implantar no próximo ano a flexibilização vertical, que é a composição de um currículo diferente para diferentes estudantes de um mesmo curso, apesar de existirem cursos na Universidade, como as engenharias Elétrica e Mecânica, que já têm o projeto preparado, pronto para começar. O cerne do problema está em atingir diretamente o núcleo de disciplinas obrigatórias. Se não houver uma mudança nesse núcleo, os créditos a estágios e outras atividades não vão ocorrer, porque o curso permanecerá com um bloco fechado. E, o que é pior, a flexibilização vertical não virá nunca, porque ela se baseia muito mais no núcleo de disciplinas não obrigatórias. Precisamos reduzir o núcleo das obrigatórias e dar crédito ao professor nas atividades que não sejam necessariamente em sala de aula. Trata-se de uma ação global e simultânea. Precisamos também permitir que os cursos que têm condições e querem fazer a flexibilização total, que façam logo.

B: Que avaliação o senhor faz da GED?

SB: A GED foi implantada mais rapidamente do que o desejável, por motivos óbvios. Havia insegurança quanto ao pagamento do retroativo em outra época.

Face às situações que poderíamos estar vivendo, eu pedi à Comissão que antecipasse o encerramento do projeto de avaliação, previsto para 8 de dezembro. Havia insegurança também quanto à implantação na folha de pagamento, se caberia ao Mare ou à Universidade. Deu muito traballho mas acabou sendo feita aqui. Se fosse para dezembro isso teria uma repercussão na folha de janeiro, elevando o desconto do imposto de renda. Feito em novembro, não corremos esse risco. A Comissão e o DP trabalharam intensamente, as propostas vindas das unidades foram incorporadas. O elenco de indicadores de avaliação foi o mais variado possível, permitindo contemplar todas as atividades da Universidade, mesmo com erros que atendem a atividades de algumas unidades e não atendem tão bem a de outras. Esses erros serão corrigidos numa próxima avaliação. Pela resposta que recebi, a repercussão negativa foi muito pequena em relação à positiva.

B: Nos seus 10 meses de gestão, que progresso foi alcançado na questão da autonomia?

SB: Há anos os reitores falam de autonomia. Nos últimos três anos, os reitores das federais trabalharam muito na direção da autonomia. Mas a autono mia entrou num marasmo, porque a área orçamentária do governo criou caso. O que eu fiz foi levantar a bandeira de que a autonomia é necessária, que deve preservar o Sistema Federal de Ensino Superior, mas que não deve e não precisa ser implantada imediatamente para todas as universidades. Essa é a mensagem nova nessa discussão. Até então, só se falava na autonomia para todas, de uma vez só. Eu creio que aí está o problema. Porque não só o governo fica preocupado, como a implantação simultânea para todas traz problemas para o conjunto. A minha proposta é que se dê autonomia a algumas, sem prejuízo das demais. Estas poderiam se incorporar ao projeto paulatinamente. O governo sinaliza que 1999 será o ano da autonomia, mas ainda não sei qual é a sua proposta. Existem problemas jurídicos a serem resolvidos rapidamente, como o do regime que dará estabilidade aos novos servidores, professores e funcionários e a questão dos novos aposentados. Temos uma proposta já montada, que só aguarda a análise jurídica para ser fechada nos próximos dias. É importante dizer que não se trata de uma proposta dos conselhos da UFMG, mas da equipe do Reitor. Ela vai ser divulgada e discutida por todos os setores, não só pelos órgãos superiores da Universidade, mas também pelos sindicatos, sociedades científicas, outras universidades e o próprio governo. Mas eu acho que a autonomia, quando vier, será uma proposta do governo, não da UFMG. Nós queremos contribuir para a discussão.