UFMG já tem proposta de autonomia

Mais ciência, menos ideologia

O ensino superior brasileiro vive um momento de graves desafios. Há problemas conjunturais gerados pela crítica situação econômica mundial e nacional. Há também problemas estruturais cuja solução exigirão dos dirigentes universitários uma atuação mais científica e menos ideológica. 

Os problemas conjunturais afetam principalmente as universidades federais. São os cortes no orçamento de custeio e capital, o impedimento de concursos para reposição de pessoal docente e técnico-administrativo, a redução das bolsas de pós-graduação e o encolhimento dos recursos de fomento à pesquisa. Pode-se antever que, se implementada de forma conservadora, a atual contenção econômica acarretará a desaceleração do desejável crescimento, com qualidade, do ensino público superior. Posições conservadoras, nesse contexto, representam a estagnação e o reconhecimento do inevitável status quo das eternas crises. 

Como poderão as universidades federais responder de forma criativa à nova contingência econômica? Além de buscar solução para as questões prementes do dia-a-dia, a resposta, creio, consiste em superar os problemas estruturais. É necessário não só alcançar novos patamares de gestão de conhecimento. Uma vez aprovado, o estatuto se transformará em instrumento de mudança estrutural. A palavra de ordem para a UFMG é se apresentar como força modificadora e liderar, ao lado de parceiros de qualidade, a construção de um projeto global para a educação. 

Proporcionalmente ao total da população nacional, um número muito reduzido de jovens consegue acesso ao ensino de 3º grau. A taxa de escolarização do ensino superior brasileiro é baixa mesmo quando comparada à de países latino-americanos: 12% da população de 20 a 24 anos. O Plano Nacional de Educação prevê o aumento dessa taxa para 30%, o que elevaria o número de estudantes matriculados do atual 1,9 milhão para cerca de 5 milhões em 2008. 

Embora o acesso ao ensino fundamental seja um problema praticamente resolvido, com o atendimento de 93% da faixa de 7 a 14 anos, o mesmo não se pode dizer do ensino médio. A se alcançar a meta do governo federal, o ensino médio deverá abrigar, no prazo de nove anos, quase 8 milhões de alunos, com 2,6 milhões concluintes. Como esse crescimento se dará predominantemente na rede estadual, a maior demanda pelo ensino superior virá de alunos de renda mais baixa. 

Ora, as instituições públicas de ensino superior, especialmente as federais, estão próximas do seu limite de atendimento. As instituições privadas se é necessário modificar a natureza jurídica e o modelo institucional do ensino superior e funcionamento, como também modificar a natureza jurídica e o modelo institucional do ensino superior. Em vez do imobilismo, urge criar no âmbito das universidades federais um cenário político caracterizado pela dinâmica, elemento essencial para a mudança. 

É com esse espírito que o novo estatuto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) está em discussão nos colegiados superiores. Trata-se de um projeto escorado em dois eixos principais: autonomia em relação ao poder central e flexibilidade curricular para melhor atender à diversidade das áreas propõem a crescer rapidamente, mas há o temor de que ofereçam um ensino de baixa qualidade. Além disso, pode-se prever que o futuro alunado terá dificuldade para arcar com os custos do ensino privado. O governo terá de equacionar a questão do crédito educativo, uma vez que o sistema público não tem como crescer o suficiente para atender à demanda. Sem o crédito educativo, aumentará a exclusão do aluno de baixa renda. 

Qual seria, então, o modelo capaz de assegurar o crescimento do alunado do ensino superior, sendo ao mesmo tempo viável para os estudantes e as instituições? Entendo que esse modelo não se baseará apenas nas universidades públicas. Essas, além do atendimento à graduação, através de cursos de referência, deverão se encarregar da pesquisa básica e da formação de quadros pós-graduados, apoiando assim a qualificação dos demais sistemas de ensino superior. 

O atendimento à massa do alunado deverá ser feito prioritariamente pelo setor privado. Entretanto, nosso ensino superior não terá futuro se as universidades públicas não adotarem uma posição científica, menos subjetiva e menos ideológica, diante dos problemas que enfrenta na atualidade. 

É preciso distinguir entre a verdade, que é objetiva e absoluta, e a certeza, que é subjetiva. Karl Popper ponderava que se os cientistas acreditassem demais em suas teorias poderiam parar de procu-rar a verdade. Isso seria uma tragédia. As verdades não são inventadas, mas descobertas. Que os meios acadêmicos e os dirigentes procurem juntos a verdade do ensino superior brasileiro.

Reitor da UFMG

Francisco César de Sá Barreto