A moda vai muito além dos estilistas
Mauro Lúcio Jeronymo
Em novembro de 2006, a comemoração dos 20 anos de criação do Curso de Estilismo e Modelagem do Vestuário da Escola de Belas-Artes passou despercebida para a maior parte da comunidade da UFMG. Foi uma data marcante não só pela comemoração em si, mas principalmente pelo que este momento pode refletir no futuro. Esta comemoração evidenciou, caso ainda restassem dúvidas, que o curso atingiu a maioridade e, o mais importante, a maturidade. A maioridade veio de forma compulsória ao longo dos anos. Já a maturidade foi alcançada durante jornada iniciada com a marca do pioneirismo da proposta e que foi sendo construída a cada turma que se formava, estabelecendo assim uma massa crítica composta por profissionais preparados para o mercado e de formandos que passaram a fazer parte do corpo docente; alguns deles chegando, inclusive, a ter participação fundamental na coordenação do próprio curso.
Quando uma pessoa atinge a maioridade e a maturidade, a sociedade espera que ela assuma uma série de responsabilidades. Com os cursos não é muito diferente. Depois de 20 anos de maturação, deseja-se que o curso de estilismo cumpra o rito de passagem, talvez um pouco tardiamente, mas ainda em tempo. O rito de passagem aguardado é a mudança de status, ou seja, deixar de ser um curso de extensão e passar a integrar a grade de cursos de graduação ofertados pela UFMG, através do vestibular anual desta instituição. Ainda que sua contribuição como curso de extensão tenha sido grande – até hoje formaram-se em torno de 400 profissionais –, chegou a hora do estilismo se transformar num curso de graduação. Como diz o professor Vlad Eugen Poenaru, atual coordenador do curso, “estamos com quase 21 anos de estilismo e já temos maioridade para usufruir a nossa tradição”.
A possibilidade de oficialização de cursos na área de moda traz consigo a necessidade de reflexão sobre qual modelo e formatação adotar. Nestes 20 anos, o país e o mundo passaram por grandes transformações e mudanças. Portanto, nada mais pertinente que inquirir se o modelo de curso que está posto hoje atende aos anseios e necessidades do mercado e daqueles que querem atuar na área de moda.
Segundo dados do Instituto Brasil de Arte e Moda, o setor já é o segundo maior empregador do País, absorvendo em torno de 1,5 milhão de pessoas, perdendo apenas para a construção civil. Esse dado mostra a pujança econômica desse setor e, ao mesmo tempo, aponta para a necessidade de profissionais qualificados. De um modo geral, quando se fala no segmento de moda, cometemos o erro de pensar apenas e tão somente nos grandes e famosos estilistas e nas grandes marcas. Costumamos esquecer da constelação de anônimos, pequenas e médias empresas que, na verdade, são aqueles que dão escala à area. Além disso, à medida que se expande, a área vai se fragmentando, com o trabalho e as atividades caminhando na direção de especializações e desaparecimento de profissões.
Quando falamos em moda, na verdade estamos nos referindo a confecções, fiações, malharias, tecelagens, indústrias de aviamentos e acessórios, empresas de varejo, lojas de departamento, magazines, hipermercados, redes de lojas de porte variado, franquias, empresas de assessoria e consultoria de moda, empresas de produção artística e publicitária, importadoras e exportadoras do ramo têxtil, imprensa especializada, indústrias químicas, feiras e salões de moda, enfim um amplo universo. A isso somam-se os profissionais de outras áreas cujo trabalho e interesse estão cada vez mais imbricados com o mundo da moda. Em novembro de 2006, a Associação Brasileira das Indústrias Têxteis (Abit) divulgou congresso e feira de nanotecnologia, que contaram com a participação de inúmeras empresas ligadas ao setor de moda. Para muitos de nós, a nanotecnologia, que está sendo chamada de a quinta revolução, nada tem a ver com o setor vestuário. Entretanto, falar em tecidos e roupas “inteligentes” já é uma realidade.
Além do aspecto econômico, que impacta o social através da geração de empregos, as coisas do mundo da moda são reflexos ideológicos dos vários grupos presentes na sociedade, das relações e dos atritos nesta estabelecidos. Portanto, não podemos querer ou tentar ver o universo da moda como algo que paira sobre os problemas e as questões sociais, como se fosse um mundo à parte. Questões de saúde (anorexia, mutilações corporais), meio ambiente, desigualdade social, racismo, preconceito e muitas outras, que parecem pertencer a outros ambientes, também fazem parte do universo da moda.
Por causa dessa caminhada do curso de estilismo – vitoriosa, até o momento – e da própria relevâcia socioeconômica assumida pela moda, esperamos, enfim, que a UFMG inclua o curso no seu elenco de graduações, reconhecido como um dos melhores do país. Maturidade, para isso, não lhe falta.