Catadores de Sonhos
Por meio de capacitações na área de design, programa de extensão estimula inclusão socioeconômica de artesãs e trabalhadores que coletam materiai
A rotina de Maria Moreira começa cedo. Às 6h30, depois de um café reforçado e uma conferida no carrinho de mão, lá vai ela, recolhendo embalagens e materiais recicláveis dispersos pelas ruas da região do Barreiro, em Belo Horizonte. “Estou há muito tempo na área. Completei o ensino médio, descobri essa atividade e, desde então, não parei mais. O pessoal daqui já me conhece bem”, conta. Maria é uma das milhares de trabalhadoras que vivem da catação de materiais recicláveis. Segundo o IBGE, as mulheres representam 31,1% do total de brasileiros declarados como catadores de resíduos no país.
Em outra parte da cidade, mais precisamente no bairro Cidade Nova, na Zona Leste de BH, tubos e papelões reciclados ganham novas cores e formas nas mãos de Vânia Landim, ex-pedagoga e artesã há aproximadamente 20 anos. “Faço bancos, cadeiras, mesas e casinhas de papelão. Pelo fato de lecionar durante 10 anos na pré-escola, comecei fazendo os brinquedos para atender às minhas necessidades pedagógicas”, explica. Há quem duvide do sucesso do seu ofício, mas dados do IBGE sobre a produção artesanal no Brasil revelam que 10 milhões de brasileiros vivem direta ou indiretamente da atividade, movimentando R$ 50 bilhões por ano.
São pessoas como elas que o programa de extensão Casos: catadores de sonhos contemplou em apenas dois anos de atividades. A experiência está sendo transformada em livro que deverá ser publicado ainda no primeiro semestre de 2017, como antecipa o coordenador, Glaucinei Correa, professor da Escola de Arquitetura. ‘’A proposta de escrever o livro, no qual relataremos todo o desenvolvimento do programa, os resultados e a metodologia, surgiu desde o início, quando formalizei a ação como programa de extensão. O objetivo é compartilhar com as pessoas o que aprendemos nessa relação com os catadores e com as artesãs: foi uma experiência muito rica, da qual tiramos muitas lições para nossa vida profissional e também pessoal‘’, explica.
A iniciativa envolve ações de design e promove a inclusão socioeconômica de catadores e de artesãs por meio de dois projetos: Design Reciclado, cujo objetivo é gerar fonte de renda alternativa para os profissionais por meio do desenvolvimento de produtos próprios da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare), e o Oficinas Design, com o Grupo Oficinário, que possibilita o aperfeiçoamento do produto artesanal, promovendo atividades temáticas.
O programa conta com intensa participação de bolsistas. Em interface com o ensino e a pesquisa, a iniciativa nasceu de uma atividade da disciplina Design II, na qual os alunos, juntamente com a Asmare, tiveram que desenvolver produtos usando materiais recicláveis. Além da criação dos objetos, no decorrer das aulas, os estudantes identificaram a necessidade de aperfeiçoar ações de comunicação e marketing da Associação. Assim, o projeto se estendeu e ultrapassou os limites da sala de aula.
Glaucinei explica que a iniciativa nasceu da demanda de produção e comercialização de produtos da Asmare. Após o período inicial de imersão na associação, os bolsistas acabaram conhecendo o grupo de artesãs, que, na época, se encontravam no Reciclo, espaço do restaurante administrado pela entidade. Daí em diante, por meio das oficinas, a relação entre bolsistas, catadores e artesãs possibilitou não só a troca de conhecimentos profissionais, mas um diálogo enriquecedor entre vivências tão distintas. “Em dezembro de 2016, as artesãs apresentaram na Escola de Arquitetura os seus próprios produtos, desenvolvidos com base no conteúdo compartilhado nas oficinas”, conta o coordenador.
Fotos e mensagens
O bolsista Wilton Duarte, estudante de Design Industrial, destaca a importância da extensão na sua formação e o aprendizado que acumulou durante os dois anos de atuação no programa. “Eu aprendi a lidar com situações e opiniões diferentes, porque apresentávamos nossas ideias para todo mundo. Além disso, estávamos revisando o tempo inteiro o conteúdo que víamos na sala de aula com os temas das oficinas. A experiência de trabalho com esse público foi muito boa”, avalia.
A artesã Lourdes Rivera, uma das participantes das oficinas, também considera positiva a parceria e até hoje envia aos alunos fotos dos produtos desenvolvidos com base no aprendizado compartilhado, além de mensagens carinhosas de agradecimento. “Foi um projeto muito importante para todas nós, que nos deu muito conhecimento. Sinto-me agradecida porque aprendi muito.”
A ação de extensão já foi premiada duas vezes na Semana do Conhecimento da UFMG – na última edição, as próprias artesãs receberam a homenagem em cerimônia na Universidade. Resultados da iniciativa também já foram apresentados em eventos internacionais, sendo o mais recente na Argentina. Mais informações estão disponíveis no site http://bit.ly/2pZHWM4.
*Bolsista de Jornalismo da Pró-reitoria de Extensão