Em busca de um lugar ao sol
Em artigo, grupo de pesquisadores analisa como o clima influencia a distribuição de serpentes na Mata Atlântica
As alterações no regime climatológico podem ter efeitos drásticos sobre a distribuição de espécies, principalmente em relação aos animais ectotérmicos, que dependem da temperatura do ambiente para controlar a temperatura do corpo. A influência do regime climático sobre a distribuição desses animais está descrita no artigo Environmental constraints on the compositional and phylogenetic beta-diversity of tropical forest snake assemblages, produzido por pesquisadores que investigaram a influência das mudanças de clima sobre a distribuição de serpentes que habitam a Mata Atlântica.
A Mata Atlântica brasileira é a segunda maior floresta tropical da América do Sul. Os pesquisadores a dividiram em dois polos para efeito de comparação: o norte, com seu verão seco e inverno chuvoso, e o sul, de verão chuvoso e inverno seco. O grupo considerou as 198 espécies de serpentes que habitam as duas regiões. Segundo o pesquisador Mário Ribeiro de Moura, que participou da elaboração do artigo enquanto desenvolvia seu doutorado no ICB, a divisão da Mata Atlântica em duas regiões foi necessária porque uma pesquisa desse tipo só é viável se envolver estudos observacionais.
“Não dá para analisar o efeito do regime climático hoje e esperar 50 anos para avaliar se esse efeito mudará de acordo com o regime climático do futuro. A Mata Atlântica é uma floresta tropical de grande variação latitudinal que apresenta dois regimes climáticos bem diferentes. Precisávamos considerar locais com essa diferença climatológica para verificar como a distribuição das espécies está associada a ela”, explica o pesquisador. Para entender essa relação, os pesquisadores utilizaram as serpentes como grupo bioindicador e reuniram informações de quase 300 estudos que listavam as espécies que habitam 218 localidades no norte e no sul da Mata Atlântica.
“Percebemos que a região sul, por apresentar inverno seco e verão chuvoso, favorece uma resposta mais harmoniosa das espécies ao clima. Conseguimos usar dados ambientais, como temperatura e precipitação, para explicar os padrões de distribuição das espécies. O efeito de mudanças climáticas é mais fácil de ser previsto em ambientes quentes e úmidos”, afirma Moura.
Ao norte da Mata Atlântica, o clima é quente praticamente o ano todo, e, no verão, a incidência de chuvas é menor. Os pesquisadores perceberam que essas condições de extremo calor e seca dificultam a vida das serpentes – para sobreviver, elas precisam fugir do calor excessivo. As serpentes saem de seus abrigos quando o sol está mais fraco e o ar, mais úmido. É nesse momento que elas demarcam seus territórios e se reproduzem. Se o clima se mantiver quente e seco o tempo todo, as serpentes precisarão permanecer escondidas nos seus refúgios, o que pode dificultar sua alimentação e reprodução.
“O regime climático da região norte impõe sérias restrições para a atividade das serpentes. É provável que várias espécies saiam de seus abrigos para se alimentar e se reproduzir ao mesmo tempo, o que pode gerar maior competição. Elas também podem competir por refúgios termais, caso todas fujam juntas do excesso de calor. Já no sul, onde o clima é mais ameno, as espécies aparentemente são menos afetadas pela competição”, conta o pesquisador.
Subindo montanhas
Mário de Moura explica que os animais ectotérmicos têm duas saídas para evitar o superaquecimento: eles podem buscar regiões mais úmidas para atenuar o efeito do calor e não se desidratarem ou podem subir montanhas, uma vez que regiões mais altas apresentam temperaturas mais amenas. “O norte da Mata Atlântica é mais plano que a parte sul. Embora a topografia também colabore para explicar a distribuição das espécies, descobrimos que o regime climático tem efeito muito maior”, analisa.
O grupo constatou que, ao norte da Mata Atlântica, é mais difícil explicar a distribuição das espécies usando apenas as variáveis climáticas, como temperatura e precipitação. Uma explicação para isso está relacionada ao papel da competição entre as espécies. “É mais difícil prever quem ganha ou perde em uma competição. Quando as serpentes competem, a distribuição geográfica fica mais ‘embaralhada’, de forma que elas não respondem perfeitamente às variações climáticas”, afirma o pesquisador.
A escolha da Mata Atlântica como local de observação levou em consideração o fato de que o bioma é um hotspot, região com alta diversidade de espécies ameaçadas pelas mudanças causadas pelo homem. Segundo Moura, entender como as espécies respondem às mudanças ambientais orienta investigações sobre a futura localização de espécies face aos possíveis cenários do aquecimento global. “Podemos esperar que as mudanças climáticas venham a ter maior impacto em locais que ficarão mais quentes e secos, e isso nos obriga a olhar cuidadosamente para as espécies dessas regiões”, conclui Moura.