A nova empregada doméstica

Museus e centros de memória

Os museus se tornaram um dos espaços culturais de maior prestígio no mundo contemporâneo. De pequenos museus temáticos a projetos ambiciosos, eles proliferam na sociedade contemporânea. Alguns, incluindo os centros de memória, surgem em contextos até há pouco tempo improváveis, como reservas indígenas, favelas e bairros. Outros resultam de investimentos milionários, conduzidos pelo poder público e/ou pela iniciativa privada. Nesse cenário, parece-nos inimaginável a sociedade contemporânea sem museus e lugares consagrados às memórias coletivas. 

Por que esses espaços adquiriram tamanho poder e evidência? Por que, em poucas décadas, deixaram de ser identificados como instituições decadentes para serem içados a vedetes da cena cultural? É certo que, para não sucumbirem, os museus se transformaram. Uma nova ideia de museu se articulou nos planos do pensamento e da prática. Aos poucos, essa instituição deixou de ser espaço exclusivo de administração de coleções para se voltar para o público. 

O que move a sociedade contemporânea a querer museus e centros de memória? Pode-se dizer que o aumento dessas instituições, em parte, está relacionado à intensificação do processo de globalização nas últimas décadas do século 20. Ao conectar e buscar homogeneizar sociedades, mercados, países e cidades, a globalização trouxe consigo ameaças às referências culturais e identitárias de grupos sociais. Na contramão desse movimento global, emerge o protagonismo, no cenário patrimonial e museal, de atores sociais até então marginalizados das políticas de preservação do patrimônio. 

Estamos, porém, diante de um contexto ambíguo, para não dizer contraditório. As instituições de memória incorporam a narrativa de novos atores e patrimônios e, ao mesmo tempo, rendem-se aos padrões de exposição consagrados internacionalmente, alheios a realidades locais. Concomitante ao surgimento de museus para atender aos anseios de ampliação da cidadania e de inclusão social, observa-se a conversão dessa instituição em produto para o consumo, espetacularizado e concebido como grife.

Não importa que nomenclatura tenham – museus, memoriais, centros de memória –, o fato é que essas instituições estão sendo reconfiguradas e projetadas em um arco marcado pelos polos da cidadania e do consumo. Figuram como indícios de uma sociedade que teme perder os rastros do seu passado e, ao mesmo tempo, não espera muito do futuro. 

Letícia Julião, professora de Museologia e coordenadora da Rede de Museus da UFMG