Homenagem de Córdoba
Ana Lúcia Gazzola recebe título de Doutor Honoris Causa de instituição argentina que, há 100 anos, sediou movimento em defesa de uma universidade genuinamente latino-americana
A professora Ana Lúcia Gazzola, reitora da UFMG de 2002 a 2006, recebeu, no último dia 25, na Argentina, o maior título honorífico – Doutor Honoris Causa – da Universidade Nacional de Córdoba (UNC). A homenagem, por sua dedicação ao campo da educação superior na América Latina e no Caribe, foi prestada por iniciativa do reitor Hugo Juri e aprovada pelo Conselho Superior daquela instituição.
A outorga do título também está relacionada às comemorações do centenário do Manifesto de Córdoba, movimento estudantil do qual a UNC foi palco em 1918, em defesa da construção de uma universidade para a América Latina, isto é, que considerasse as especificidades locais.
Quando dirigia o Instituto Internacional para a Educação Superior na América Latina e Caribe (Iesalc), da Unesco, Ana Lúcia Gazzola organizou e presidiu a segunda edição da Conferência Regional de Educação Superior da América Latina e Caribe (Cres). Realizada em 2008, em Cartagena de Índias (Colômbia), a reunião definiu a educação superior como bem público e instrumento estratégico para o desenvolvimento sustentável.
“Recebi o título com muita emoção”, disse a professora, ressaltando que o caráter emblemático da Universidade Nacional de Córdoba na luta por autonomia, pela responsabilidade social das universidades e pela integração regional da América Latina torna a homenagem muito significativa, “como de nenhuma outra instituição do mundo”.
Na solenidade, a professora ministrou palestra sobre Cem anos de desafios: os caminhos da universidade pública na América Latina. Segundo ela, desde o Manifesto de Córdoba, os cenários se transformaram, mas os desafios permanecem e até se agravaram pela mercantilização e privatização da educação superior e pelo predomínio de hegemonias globais que reservam aos países em desenvolvimento “apenas o papel de consumidores dos projetos concretos de educação superior oferecidos por países desenvolvidos, como Estados Unidos, Inglaterra e Austrália”.
A professora defendeu a regulamentação da oferta de educação superior em cada país, para resguardar não apenas o caráter público, mas também sua perspectiva local, regional e nacional. Citou como exemplo os rankings de universidades, que nunca se importam em saber qual o papel das instituições na promoção do desenvolvimento sustentável e com justiça social no país em que se localizam. “Isso também é importante, pois a universidade precisa ser relevante e contribuir para a transformação da sociedade na qual se insere”, enfatizou.
Perspectiva latino-americana
Ana Lúcia Gazzola afirmou que os princípios da reforma educacional de 1918 influenciaram e impactaram também o Brasil, no decorrer do século 20. “Esses mesmos princípios, evocados na primeira Cres, em 1996, em Cuba, e na segunda edição, há dez anos, serão agora reafirmados na 3ª Cres, de 11 a 15 de junho, em Córdoba”, observou.
O grande conceito articulador das duas primeiras conferências, disse Gazzola, foi considerar a necessidade de “indissociar as dimensões de qualidade e relevância do ensino superior público”. Segundo ela, na Conferência, defende-se a autonomia com responsabilidade em relação às necessidades da sociedade, “o que, como demonstra o que vem acontecendo, precisa ser reafirmado politicamente hoje”.
De acordo com os organizadores da 3ª Cres, o evento tem o objetivo de promover reflexão sobre o legado da Reforma Universitária de Córdoba de 1918, ressignificando o compromisso com uma universidade autônoma, crítica, democrática e participativa, com liberdade acadêmica e uma visão latino-americana sensível às exigências das sociedades do continente.
Trajetória
Ana Lúcia Gazzola tem graduação em Letras pela UFMG, mestrado em literaturas luso-brasileira e hispano-americana e doutorado em Letras – literatura comparada pela University of North Carolina at Chapel Hill (EUA). É professora emérita da UFMG, instituição da qual foi reitora de 2002 a 2006. Foi presidente da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e dirigiu o Iesalc, da Unesco. Foi secretária de Estado de Desenvolvimento Social (2010) e de Educação (2011-2014) de Minas Gerais. Sua atuação tem ênfase em literaturas estrangeiras modernas, educação superior, universidade, viagem e alteridade.
Criada em 1621, a Universidade Nacional de Córdoba é uma das mais antigas das Américas. Tem aproximadamente 132 mil estudantes, 15 faculdades, duas escolas secundárias, 145 centros e institutos de pesquisa, 25 bibliotecas, 17 museus, um laboratório de produtos sanguíneos, dois hospitais, um banco de sangue, dois observatórios astronômicos, uma reserva natural e uma estrutura de comunicação multimídia formada por dois canais de televisão, duas rádios (AM e FM) e um portal de notícias.