Na rota do plástico verde

Pena robotizada

Em dissertação, pesquisadora investiga implicações da redação de notícias por máquinas

Nos últimos anos, alguns jornais passaram, com uso de Inteligência Artificial (AI), a produzir e publicar de modo automático, quase em tempo real, notícias sobre temas que envolvem dados estatísticos, como finanças, esportes, eleições, homicídios e terremotos. O fenômeno dos “repórteres robôs”, caracterizado pela geração em larga escala de notas de estrutura simples, surgiu junto com a especulação sobre a possibilidade de tal artifício, em curto prazo, acabar tornando dispensável a atuação humana nas redações. 

Autora de pesquisa sobre o assunto, a jornalista Silvia de Freitas Dalben Furtado chegou a descobertas que desmitificam tal hipótese. “Nenhum ‘jornalista robô’ será capaz, algum dia, de substituir os jornalistas humanos. Softwares, algoritmos e computadores são realidades presentes há décadas nas redações”, minimiza. A boa-nova trazida pelo universo do jornalismo automatizado, segundo a pesquisadora, é a viabilidade da publicação automática de milhares de textos em poucos minutos – algo impossível em se tratando da cobertura jornalística convencional.

Exemplo de notícia de economia redigida por robô
Exemplo de notícia de economia redigida por robô Reprodução

No mês passado, Silvia Dalben defendeu a dissertação Cartografando o jornalismo automatizado: redes sociotécnicas e incertezas na redação de notícias por robôs, no Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Fafich. A inovação, como reforça a pesquisadora, proporciona a feitura de textos curtos e repetitivos, cujas fórmulas são pré-elaboradas por pessoas nas redações. “Mas o mecanismo não é capaz de incorporar as subjetividades da narrativa jornalística nem aspectos relativos a sua importância social”, contrapõe.

Ecossistema em formação
O uso dos “repórteres robôs” requer a implantação, nas redações, dos chamados softwares de Natural Language Generation (NLG), um subcampo da Inteligência Artificial. Para observar os atores, a formação de redes e as associações vinculadas ao jornalismo automatizado, Silvia Dalben mapeou, em sua pesquisa de mestrado, três estudos de caso de veículos jornalísticos que adotaram a ferramenta, nos Estados Unidos e na França.

O primeiro diz respeito ao projeto The Homicide Report, do jornal Los Angeles Times, que utiliza a tecnologia para a divulgação de todos os homicídios registrados na cidade. O periódico inovou, de acordo com a pesquisadora, ao perverter o conceito de valor-notícia normalmente assumido pelos jornais daquela região, que costumam dar visibilidade somente aos crimes mais incomuns, como assassinatos em massa ou de crianças brancas em bairros nobres. “Com base em um sistema integrado em que dados estatísticos são compartilhados pelo departamento policial, o robô monta textos padronizados, informando a geolocalização do delito, nome e idade da vítima, além da delegacia onde mais informações podem ser obtidas”, explica Silvia Dalben. 

Segundo a autora, algumas dessas notas são posteriormente atualizadas, ampliadas e transformadas em notícias mais aprofundadas. “A demanda pela notícia automatizada, no caso, surgiu porque a mão de obra humana não dava conta do volume total de homicídios, que chegavam a 1 mil por ano naquele local”, acrescenta. 

O segundo relato abordado na pesquisa diz respeito ao portal que utilizou um ­software NLG para a produção de 52 mil notícias personalizadas sobre escolas públicas nos Estados Unidos. O terceiro estudo de caso, por sua vez, é referente à experiência do jornal Le Monde na cobertura das eleições departamentais francesas em 2015. Após trabalho de planejamento que levou três meses, foi possível publicar, poucas horas após o término da apuração, cerca de 36 mil notícias com os resultados eleitorais em todos os municípios.

“Com base nesses três casos, concluo que existe um ecossistema em formação, em que há atuação integrada de jornalistas, empreendedores, programadores, analistas de dados, softwares, algoritmos e bancos de dados”, avalia a autora. Ela destaca que essa nova dinâmica torna as redações abertas ao trabalho multifacetado. “Tradicionalmente, os veículos são ‘bolhas’ de jornalistas. A automatização possibilita que outros profissionais comecem a fazer parte do universo jornalístico”, argumenta.

Além da produção ampliada de notícias em curtíssimo período de tempo, Sílvia Dalben vê o advento dos “robôs jornalistas” como oportunidade para ampliação da cobertura de assuntos dirigidos por dados. “Trata-se de uma estrutura muito mais complexa do que um conjunto de programadores de algoritmos automáticos. O método exige monitoramento e correção de erros, o que só pode ser feito por jornalistas especializados. Mas a dimensão humana que fica em evidência não é mais, de fato, aquela clássica, representada por um repórter com caneta e papel na mão, conversando com sua fonte”, analisa.

Neste vídeo produzido pela equipe das Redes Sociais da UFMG, Silvia Dalben também fala sobre o seu trabalho:

Dissertação: Cartografando o jornalismo automatizado: redes sociotécnicas e incertezas na redação de notícias por robôs
Autora: Silvia Dalben
Orientador: Carlos D’Andrea
Defesa: 20 de junho de 2018, no Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Fafich

Matheus Espíndola