É a cara do Brasil
Produzido com dados do Sisu, estudo mostra que a atual composição discente da UFMG é mais representativa da população do país
Quase a metade – 49,3% – dos alunos estudantes que chegaram aos cursos de graduação da UFMG no primeiro período letivo de 2018 se autodeclararam pretos ou pardos. O percentual é praticamente o dobro do registrado em 2008 (26,75%), ano que antecedeu o início da aplicação das políticas de ações afirmativas na Universidade. Os dados estão em relatório sobre o perfil dos estudantes matriculados na última década, elaborado pelo Setor de Estatística da Pró-reitoria de Graduação (Prograd).
O trabalho também mostra que houve crescimento da entrada de alunos cuja renda familiar é de um a dois salários mínimos: em 2014, esses estudantes correspondiam a 11,4% do total, e, em 2018, a 18,2%. Além disso, o estudo também indicou que um terço dos alunos da UFMG tem renda familiar de dois a cinco salários mínimos, compondo a categoria socioeconômica mais frequente.
A análise realizada pela Prograd indica, também, uma mudança nos perfis de pais e mães dos estudantes ingressos na Universidade. Os dados sobre escolaridade materna e paterna revelam que, na última década, os pais de mais de 50% dos ingressantes não tinham curso superior. Em 2008, 46,46% dos pais e 47,29% das mães haviam concluído a graduação. Em 2018, esses percentuais caíram, respectivamente, para 36,4% e 45,2%.
“A UFMG está mais inclusiva, em razão de um trabalho articulado e consistente que tem o objetivo de contribuir para a transformação social e para a diminuição das desigualdades. Dessa forma, a Universidade cumpre sua importante função pública e social, democratizando de forma sistemática o acesso ao ensino superior”, analisa a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, lembrando que, de acordo com o censo de 2010, 53,5% das pessoas em Minas Gerais se declararam pretas ou pardas. No Brasil, o percentual foi de 50,7%.
A pró-reitora de Graduação, Benigna Oliveira, avalia que esse processo vem possibilitando que a composição da comunidade acadêmica reflita mais fielmente a da população brasileira. O aumento do número de estudantes cujos pais e mães não concluíram o curso superior e daqueles cuja renda familiar está entre um e dois salários mínimos reforça a importância das políticas de democratização do acesso ao ensino superior. Ela observa que esses estudantes “terão não apenas uma formação técnica de excelência, mas também crítica e cidadã. Ao mesmo tempo, a Universidade também se transforma com essa diversidade de sujeitos, enriquecendo-se com a pluralidade de visões e vivências”.
Uma amostra dessa diversidade é mostrada neste vídeo da TV UFMG. Nele, três estudantes relatam suas trajetórias:
Para a reitora Sandra Almeida, é fundamental que a Universidade conheça o perfil do seu alunado para que possa compreender o impacto da democratização do acesso e refletir sobre as políticas que contemplem um corpo discente que se diversifica a cada nova entrada. Segundo ela, análises como a realizada pela equipe da Prograd contribuem para a definição e o acerto na proposição de políticas acadêmicas. “A finalidade desses levantamentos é oferecer subsídios para o planejamento e a sustentação de políticas de ingresso, de acolhimento e de permanência, baseadas, inclusive, nas demandas que a adesão ao Sisu [Sistema de Seleção Unificada] tem apresentado à Universidade”, esclarece a dirigente.
Uma dessas demandas é o fortalecimento da política de assistência estudantil, imprescindível para uma efetiva inclusão e permanência desses estudantes, cujos recursos passaram de R$22,5 milhões, em 2013, para R$37,3 milhões, em 2017, período em que o percentual de alunos oriundos de escola pública aumentou expressivamente na Universidade. Em 2013 – primeiro ano da implementação da Lei Federal 12.711, que estabeleceu as cotas e substituiu na UFMG o Programa de Bônus – estudantes oriundos da rede pública representavam 44,2%, percentual que cresceu para 55,3% no primeiro período letivo deste ano (2018/1).
Tendências
O levantamento revela outras mudanças no perfil dos estudantes, aparentemente provocadas pela adesão da Universidade ao Sisu, em 2014: a ampliação do número de estudantes oriundos de outros estados e uma tendência à queda do ingresso de mulheres, que já chegou a 55,8%, em 2013, caiu para 50,8%, em 2014, e neste ano foi de 48,5%.
"A vinda de calouros de outros estados é muito mais comum na modalidade de ampla concorrência do que na de cotas"
Embora a maior parte dos candidatos aprovados na UFMG resida em Minas Gerais, esse percentual reduziu-se desde a adoção do Sisu: de 93%, em 2013, para aproximadamente 80%, em 2018. Neste ano, o segundo estado com maior percentual de candidatos aprovados na primeira lista de chamadas foi São Paulo (mais de 10%). O menor índice de candidatos residentes em Minas foi de 73,4%, na modalidade de ampla concorrência, enquanto nas modalidades de cotas ocorreram os maiores percentuais de estudantes residentes em Minas Gerais – 92,8% e 90,9%, respectivamente na modalidade 3, que inclui autodeclaração de raça, e na 1, que inclui renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo.
“Percebe-se que a vinda de calouros de outros estados é muito mais comum na modalidade de ampla concorrência do que na de cotas. Com o Sisu, a UFMG tem conseguido atrair mais pessoas de outros estados. Contudo, na maior parte dos casos, esses candidatos de fora são de família de renda maior, porque a mobilidade é difícil para quem tem mais vulnerabilidade socioeconômica, o que reforça a importância de políticas de inclusão e permanência”, analisa o pró-reitor adjunto de Graduação, Bruno Teixeira.
Pela Lei 12.711/2012, universidades e institutos federais passaram a reservar 50% das vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Desse universo, metade é destinada a estudantes com renda familiar bruta mensal, por pessoa, de até 1,5 salários mínimos. O restante ainda se divide entre vagas destinadas a autodeclarados pretos, pardos e indígenas e a pessoas com deficiência.
Quanto à questão “onde reside atualmente”, respondida pelos calouros, foi observada redução do percentual de candidatos matriculados na UFMG residentes em Belo Horizonte: de 68%, em 2009, para 50,4%, em 2018/1. E cresceu o número de matriculados oriundos do interior do estado, de 14,3%, em 2014, para 22,2%, em 2018/1.
Quanto à presença feminina na UFMG, na distribuição por áreas, entre os ingressantes do primeiro período letivo de 2018, as engenharias e as ciências exatas apresentaram os maiores percentuais de estudantes do sexo masculino, respectivamente com 73,4% e 66,5%. As áreas que registraram os maiores percentuais de estudantes do gênero feminino foram humanas (61,1%), biológicas (60,2%) e saúde (59,6%). Para as demais áreas, o percentual de estudantes do gênero feminino foi de 48% em ciências sociais aplicadas, 54,4% em linguística, letras e artes e 55,4% em ciências agrárias.
Nota mínima
As notas mínimas necessárias para ingressar nas vagas reservadas, em 2018, correspondem, em média, a 87,6% da nota mínima para ingresso na ampla concorrência, considerando todos os cursos da UFMG ofertados no Sisu. Esse número coincide com percentuais de 10% e 15% adotados pela UFMG de 2009 a 2012, durante a vigência do Programa de Bônus.
Para as oito modalidades de cotas, incluindo pessoas com deficiência, a nota de corte equivale em média a 88% da nota da ampla concorrência. “É uma média alta, com uma diferença não tão significativa. E esse número valida o Programa de Bônus, que a Universidade praticava antes da lei federal que estabeleceu as cotas”, pondera Bruno Teixeira.
Proficiência linguística
O percentual de estudantes que afirmaram não ler em nenhuma língua estrangeira cresceu de aproximadamente 16%, em 2014, para quase 25%, no primeiro semestre de 2018. “Esses números reforçam a importância da política linguística da UFMG, recentemente aprovada no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe)”, destaca a professora Benigna Oliveira.
A política consolida esforços de capacitação linguística empreendidos historicamente pela UFMG, como a oferta de cursos pelo Centro de Extensão (Cenex) da Faculdade de Letras (Fale), e o acesso ao estudo de português para fins acadêmicos e a línguas adicionais àquelas que o estudante já domina – entre elas a Língua Brasileira de Sinais (Libras). O Programa Idiomas sem Fronteiras, coordenado pela Diretoria de Relações Internacionais (DRI), também é parte dessa política. A iniciativa tem, entre seus princípios, o acesso democrático ao ensino de línguas e a difusão internacional das produções intelectual, científica, artística e cultural desenvolvidas na Universidade.
UFMG no Sisu
Instituição federal de ensino superior brasileira com maior procura anual no Sisu, a UFMG recebeu, em 2018, 155.386 inscrições para as suas 6.339 vagas em cursos de graduação. No último ano antes da adoção do Sisu (2013), 60.273 candidatos inscreveram-se no vestibular da UFMG.
De 2011 a 2013, a UFMG utilizou a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para substituir a primeira etapa do Vestibular. Em 2014, aderiu ao Sisu, passando a adotar a nota do Enem como único critério de seleção para a maior parte de seus cursos de graduação, excetuando-se os de Artes Visuais, Cinema de Animação e Artes Digitais, Dança, Design de Moda, Música e Teatro, que mantiveram a segunda etapa em sua seleção, com a prova de habilidades específicas.