Mais inclusiva

É preciso escutá-la

À luz do direito, dissertação defende o diálogo como forma de garantir a emancipação e a autonomia da população em situação de rua

A violação de direitos e liberdades das pessoas que vivem nas ruas é parte de uma lógica perversa, oriunda de concepções políticas influenciadas pelo individualismo na sociedade de mercado. Em Belo Horizonte, a população em situação de rua tem crescido nos últimos anos (veja na tabela abaixo), sem que a tutela oferecida pelas instituições do sistema de justiça favoreça sua emancipação e reconheça sua autonomia para a garantia de direitos. 

“As respostas do poder público a esse cenário não têm sido proporcionais à sua gravidade. Essa população ainda é tratada sob o viés do punitivismo e da criminalização antes de ter garantidos seus direitos. A tendência de aumento das políticas de higienização e segregação também é forte”, avalia a advogada Luana Ferreira Lima, especialista em ação humanitária e com atuação na defesa dos direitos humanos. 

Com foco na ação do Ministério Público de Minas Gerais, Luana Lima defendeu, em agosto, a dissertação Necessidades humanas da população em situação de rua e a atuação de instituições do sistema de justiça, no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito.

“Conversei diretamente com pessoas desse grupo populacional, buscando compreender suas necessidades e pontos de vista”, explica Luana. Segundo ela, a dialogicidade é urgente para o estabelecimento de novas práticas no processo de reconstrução e defesa dos direitos, com respeito à emancipação e à autonomia para a mudança da realidade e para a compreensão e transformação dos mecanismos que perpetuam essa situação de violação de direitos.

Segregação
Eu estou há anos na rua, nunca tive direito a nada. Não existe direito para o pobre. Nós vivemos uma escravidão democratizada, declarou um dos participantes das rodas de conversa realizadas pela autora. “A queixa diz respeito exatamente à carência de ações estruturais”, afirma a advogada, que critica a concepção de criminalização, preponderante no sistema de justiça brasileiro. “A reprodução de discursos punitivos e a redução de problemas sociais à aplicação de penas inadequadas sob os pontos de vista social e ético-morais apenas segrega e pune o pobre pela sua própria condição”, ilustra.

Relatos graves foram testemunhados pela pesquisadora: de mães que perderam a guarda de seus bebês assim que deixaram a maternidade a trabalhadores desprezados na cidade. “Os processos estruturais de manutenção da desigualdade social ainda são desconsiderados pela tutela jurídica, como observado nos casos de pessoas que tiveram seus bebês institucionalizados, afastados da convivência familiar, em razão da trajetória de vida nas ruas, por não possuírem moradia, que é um direito constitucional. O direito pressupõe uma igualdade formal, sem levar em conta a vulnerabilidade do indivíduo, questões econômicas, sociais e políticas, não concedendo, assim, a tutela adequada”, argumenta Luana, cuja pesquisa de campo foi realizada de junho de 2017 a março de 2018. 

Campanha promovida pela Pastoral Nacional do Povo da Rua em defesa do direito à habitação
Campanha promovida pela Pastoral Nacional do Povo da Rua em defesa do direito à habitação Bi Antunes / Arte em Movimento

Ação fragmentada
Segundo a autora, mesmo com ações importantes desenvolvidas pelo Ministério Público de Minas Gerais, como a realização de audiências públicas e recomendações, faltam interação e relacionamento institucional com a sociedade. A ausência de interlocução sobre os direitos da população em situação de rua provoca a fragmentação no atendimento das demandas e a baixa compreensão da realidade. Para Luana, o MP falha, por exemplo, em questões que envolvem a higienização social na cidade. “Ele vem agindo como mediador de conflitos, quando a sociedade tem demandado a participação da instituição em ações concretas pela efetividade dos direitos sociais”, critica.

A garantia de um domicílio e do usufruto à cidade, para Luana Lima, é uma referência para que sejam assegurados outros direitos, como saúde, educação e trabalho. “Deve-se assumir o compromisso com os direitos sociais e criar estratégias de articulação entre as instituições, além de compreender a dinâmica social e reconhecer sua complexidade”, conclui a autora.

Dissertação: Necessidades humanas da população em situação de rua e a atuação de instituições do sistema de justiça
Autora: Luana Ferreira Lima
Orientadora: Miracy Barbosa de Sousa Gustin
Defesa: em 31 de agosto de 2018, no Programa de Pós-graduação em Direito da UFMG

Matheus Espíndola