Inclusão mais justa
Banca de verificação e comissão complementar à autodeclaração aperfeiçoam política de cotas na UFMG
A UFMG implementou, neste ano, duas mudanças na identificação de candidatos que optaram por reserva de vagas: no momento de registro acadêmico presencial, pessoas com deficiência e autodeclarados negros (pretos ou pardos) passaram a ser avaliados respectivamente por banca de verificação e por comissão complementar à autodeclaração, responsável por realizar o procedimento de heteroidentificação racial – de origem grega, o radical “hetero” encerra a ideia de “outro”.
A reitora Sandra Regina Goulart Almeida afirma que as alterações “objetivam tornar o processo mais justo e transparente, democratizando cada vez mais o acesso ao ensino superior”. Neste ano, o registro presencial dos classificados para a UFMG na chamada regular do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), com entrada no primeiro semestre letivo, foi agendado para os dias 15, 17 e 18 de fevereiro.
Como nos anos anteriores, o candidato que optou pelas cotas raciais apresenta a documentação necessária – incluindo a comprovação de ter cursado todo o ensino médio em escola pública, condição básica para concorrer à reserva de vagas –, faz a marcação da autodeclaração em formulário específico e preenche a carta consubstanciada.
A carta consubstanciada deve ser redigida em formulário próprio. Trata-se, segundo o pró-reitor de Assuntos Estudantis, Rodrigo Ednilson, de ferramenta importante no acompanhamento da efetividade da Política de Ações Afirmativas, destinada à inclusão de pessoas negras (pretos ou pardos) e indígenas. A novidade é o procedimento de heteroidentificação, que “não substitui a autodeclaração, pois continua a vigorar como princípio importante do reconhecimento da identidade dos sujeitos”, diz o professor, que preside a Comissão Permanente de Ações Afirmativas e Inclusão da UFMG.
Os dois instrumentos, ele pondera, aumentam os custos de uma autodeclaração falsa, contribuem para que o candidato reflita sobre o modo como é visto pela sociedade e auxiliam a Universidade no aprimoramento dos seus métodos de acompanhamento dessa política. “Com base na análise de todas as condições, o registro acadêmico é deferido ou não”, completa o professor.
Fenótipo
Rodrigo Ednilson e a diretora de Ações Afirmativas da Prae, Daniely Reis Fleury, conduziram, na semana passada, em Belo Horizonte e Montes Claros, atividade de formação de cerca de 40 pessoas convidadas para atuarem na comissão complementar à autodeclaração. Segundo Ednilson, o trabalho da comissão não consiste em entrevistar os candidatos, mas em avaliar, pelas características físicas, se eles pertencem de fato ao grupo ao qual se destina a política de cotas raciais.
O procedimento, segundo ele, tem respaldo jurídico na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, aprovada em 2012 pelo Supremo Tribunal Federal, ao examinar a compatibilidade com a Constituição Federal dos programas de ação afirmativa que estabelecem reserva de vagas, com base em critério étnico-racial, para acesso ao ensino superior. De acordo com a decisão, o julgamento, por comitês posteriores à autoidentificação pelo candidato, “deve ser realizado por fenótipo e não por ascendência”.
Assim, no dia do registro acadêmico presencial, a comissão avalia se os candidatos autodeclarados negros (pretos ou pardos) têm características que os identifiquem como pertencentes ao grupo racial. Embora também passem pela comissão, os estudantes indígenas não se submetem à heteroidentificação racial, pois apresentam documentos comprobatórios de pertencimento a povo indígena, emitidos por três lideranças indígenas.
Rodrigo Ednilson esclarece que a comissão de heteroidentificação racial pode ser considerada instrumento da terceira fase da política pública de cotas. “A primeira, sobretudo nos anos 2000, foi o debate público sobre as ações afirmativas. A segunda fase foi de implementação, e, agora, estamos na etapa de acompanhamento”, descreve.Em sua opinião, a comissão cumpre não apenas o papel de corrigir problemas, mas, sobretudo, de direcionar a política para o público de direito.
Banca de verificação
No registro presencial, o atendimento dos candidatos que se inscreveram nas vagas para pessoa com deficiência está sob a coordenação do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI). Depois que os documentos são recolhidos, o candidato é encaminhado à banca de verificação. “Essa é a primeira etapa do registro acadêmico. Na banca, composta de três servidores da UFMG das áreas de saúde e ciências humanas, o aluno é entrevistado”, explica a coordenadora do NAI, Adriana Valladão. Se, após a entrevista, a banca de verificação ainda tiver dúvidas sobre a condição de deficiência do candidato, ele é encaminhado para perícia médica, no Departamento de Atenção à Saúde do Trabalhador (Dast). Com o parecer do perito, o candidato recebe protocolo que atesta comparecimento à banca e pode dar prosseguimento às outras etapas do registro acadêmico.
“Cada candidato tem seu processo específico, mas a última etapa para todos é o registro acadêmico propriamente dito. Depois disso, ele recebe um registro provisório, pois o definitivo só é confirmado com os resultados das diferentes etapas pelas quais precisa passar”, esclarece Adriana Valladão.