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'Esquizofrênico' bem resolvido

Carlos Alberto Filgueiras, que transita entre a química inorgânica e a história da ciência, tornou-se pesquisador emérito do CNPq

Filgueiras com a tabela periódica: enciclopédia em uma folha de papel
Carlos Alberto Filgueiras com a tabela periódica: enciclopédia em uma folha de papel Foca Lisboa | UFMG

"Não existe, em nenhuma outra área do conhecimento, uma enciclopédia tão abrangente que caiba numa folha de papel”, diz o professor Carlos Alberto Filgueiras, enquanto abre um pôster da Tabela Periódica. Com entusiasmo contagiante, ele conta um pouquinho da história da tabela, criada há 150 anos pelo russo Dmitri Mendeleev. “Ela começou com 63 elementos, e hoje são 118. Mendeleev previu as características dos elementos ainda por encontrar, e a própria tabela orientou as novas descobertas”, explica o professor do Departamento de Química, emérito da UFMG, que acaba de ser nomeado Pesquisador Emérito do CNPq.

O assunto surgiu quando Filgueiras, ao receber a reportagem do BOLETIM, contou que se prepara para fazer palestras pelo país destinadas a celebrar, em 2019, o Ano Internacional da Tabela Periódica. Na UFMG, haverá evento comemorativo no dia 29 de março. Ele terá de conciliar as palestras com as atividades no ­Departamento. Aos 75 anos, Carlos Alberto Filgueiras mantém ali uma sala e compromissos com ensino, pesquisa e extensão.

O pesquisador, que se dedicou, sobretudo, à química inorgânica, considera que sua maior contribuição foi na investigação sobre o estanho. “Estudei aplicações técnicas, fiz catálise usando compostos do metal, procurei estabelecer correlações entre métodos físicos e químicos, determinações estruturais, diferentes tipos de espectroscopia”, conta.

Tanto quanto de seu trabalho no laboratório, Filgueiras se orgulha de seu envolvimento com a história da ciência. “Sou um esquizofrênico assumido”, brinca. Nos anos 1980, designado para elaborar um curso sobre o tema, começou a estudar. Interessou-se especialmente sobre a história da ciência no Brasil. “E isso existe?”, ele ouviu muitas vezes. E sempre lutou contra a ideia de que o Brasil não tem história científica porque demorou muito a ter uma universidade. “Já no século 18, Vicente Seabra, o primeiro químico moderno de língua portuguesa, publicou, em 1788, o livro mais abrangente sobre o assunto, que descrevia, ao lado de seus próprios trabalhos, tudo o que se fazia nos países europeus na época. Laboratórios em Sabará e Vila Rica avaliavam o teor de ouro nos minérios, e os brasileiros também produziam pólvora e pigmentos inorgânicos para as pinturas de igrejas barrocas”, cita.

Defesa dos alquimistas

Nascido em Belo Horizonte, Filgueiras tornou-se engenheiro químico em 1967 e, um ano depois, auxiliar de ensino na UFMG. Partiu para o doutorado na Universidade de Maryland (EUA) e, quando voltou, foi transferido para o Instituto de Ciências Exatas. No início da década de 1970, ajudou a criar a pós-graduação em química inorgânica. Fez um pós-doutorado na Universidade de Cambridge (Reino Unido), seguiu com a pesquisa e as orientações. “Sou de uma geração que conseguiu formar muita gente boa, eles estão aqui na UFMG e em diversas outras partes do país”, diz Filgueiras, que se engajou cedo também com a política científica – integrou o primeiro Comitê Assessor do CNPq na área de química, em 1976.  

Quando se aposentou, em 1997, Carlos Alberto Filgueiras fez outro concurso e embarcou para a UFRJ, onde também elaborou e coordenou um programa de história da ciência. Há quase dez anos, de volta ao campus Pampulha, acumula missões como a orientação de um grupo de graduandos que reproduz experimentos de até dois mil anos atrás. A propósito, está aí mais um preconceito que ele espera ajudar a derrubar. “Os alquimistas, em sua maioria, não eram charlatões. Claro que erraram muito, mas daí veio o conhecimento. Isaac Newton tem mais escritos sobre alquimia, que ele nunca publicou, que sobre física ou matemática, embora eles só tenham vindo a público recentemente”, sentencia.

Do ínfimo à imensidão

No Departamento de Química, Filgueiras convive há décadas com um ex-aluno que não se esquece de suas exposições em disciplinas como Química Geral: “Suas aulas eram viagens instantâneas do passado ao futuro e do ínfimo das partículas atômicas à imensidão do universo. Não me lembro de respirar ou piscar quando ele ensinava”, recorda o professor Geraldo Magela de Lima, que herdou o laboratório do mestre na partida para o Rio. “Ele está sempre à frente de seu tempo. Seus pensamentos e anseios não são normalmente contidos pelas fronteiras epistemológicas do momento. Trata-se de um dos expoentes máximos da intelectualidade no Brasil, além de exemplo de ética científica, profissional e institucional”, completa o amigo e colega de departamento. 

Diante da pergunta inevitável sobre prazeres fora da academia, ­Carlos ­Alberto Filgueiras hesita. Ele diz não distinguir com clareza o trabalho do lazer. Mas menciona o vinho nos fins de semana e a convivência com a família numerosa, embora se mantenha solteiro e sem filhos. E se declara um leitor voraz. Possui uma biblioteca de oito mil volumes, muitos deles classificados como obras raras – há livros que datam do século 16. Todo esse acervo está legalmente prometido à Biblioteca Universitária, na UFMG. Mas isso é para bem mais tarde. Por ora, ele se debruça sobre uma nova disciplina em que vai falar de química para não químicos. E, naturalmente, planeja aquelas palestras sobre a Tabela Periódica.

Itamar Rigueira Jr