O despertar do Rio Doce

Educação e paz

Autonomia, sim; opressão, não! Todos pela educação. O conhecimento representa a luz do debate fundamental contra o obscurantismo do combate fundamentalista. Saber é usufruir do sabor múltiplo das experiências que confirmam a diversidade como valor essencial. Pensar significa abrir a janela de oportunidades para que chegue a todos nós o que houver de melhor. Sentir revela a manifestação do afeto por excelência. São as emoções que afirmam o compromisso do homem com a vida em plenitude, qualificando seu empenho racional com bases humildes e generosas. Pelas causas sociais, renovamos a esperança de que “outro mundo é possível”, viabilizando realizações solidárias que dignificam a existência humana e a participação construtiva da humanidade no processo de integração respeitosa entre as energias naturais e culturais.

Uma civilização do amor jamais será conquista de espíritos belicistas. Já dizia o poeta Nathan Kacowicz, em A pomba branca (Azul, 1975): “a pomba branca / só voará / quando seu sangue for universal / a pomba branca / só cruzará espaços sem fronteiras / quando sair voando / do coração de cada um / a pomba branca / só pousará / quando todos os homens / formarem um só / quando todos os homens / se tornarem pombas”. Paz, desenvolvimento, direitos humanos e democracia são conceitos interdependentes, que devem ter sua aplicação no plano pedagógico. Sem qualidades e virtudes, sem o gosto pela vida, sem abertura ao novo, sem disponibilidade de mudança, sem persistência na luta, sem recusa aos fatalismos, sem identificação com a esperança, sem abertura à justiça, não é possível a prática pedagógica-progressista. 

A educação vai muito além do trabalho com o conhecimento científico e técnico. A escola é um lugar para se desenvolver atitudes e valores. O Brasil precisa de paz, harmonia, compreensão e diálogo. Não há possibilidade de alcançar conquistas fazendo fissuras. Para mudar a realidade, é preciso sair das redes sociais e expressar o inconformismo nas ruas. Em várias partes do mundo, a democracia está ameaçada. Durante o século 20, os estudantes se mobilizaram e desencadearam muitas transformações. É alentador vê-los novamente nas ruas, nas avenidas e nas praças para lutar por um ideal relevante. Isso porque as redes sociais favorecem o que o psicólogo estadunidense Christopher Lasch (1932-1994) chamou de “eu mínimo”: a cultura do narcisismo, o culto ao consumo e às frivolidades.

 Estamos vivendo em um mundo marcado pela ausência de projetos construtivos, que resulta em uma agenda do ódio. Por isso, é muito bom que os estudantes estejam mobilizados por meio da educação. Ela pressupõe o respeito às diferenças, a valorização da democracia, a consciência coletiva e a cultura da paz. Sou a favor das manifestações criativas, não das violentas. “Me armo de livros, me livro de armas”, registrou uma das manifestantes, em cartaz. Para concretizar o que parece utopia ou ilusão, é preciso ter o conhecimento como arma. É preciso reconhecer a importância de uma prateleira repleta de livros e de referências, é preciso valorizar os professores como verdadeiros mestres e capacitá-los para guiar os caminhos da aprendizagem da nossa melhor versão. Lutar pela educação é lutar pelo futuro de cada um, o que significa igualmente lutar pelo futuro do país. Esse é o caminho para se formar cidadãos  imbuídos de consciência coletiva, mentores de projetos construtivos, guardiões de civilidade, generosidade, respeito à vida, ideais nobres e espírito de luta. O que se ensaia é uma frente ampla contra o atraso.

Durante o século 20, os estudantes se mobilizaram e desencadearam muitas transformações. É alentador vê-los novamente nas ruas, nas avenidas e nas praças para lutar por um ideal relevante.

Em relação à violência, as políticas públicas têm demonstrado uma inclinação dos governos em aumentar o aparato policial. Não há como deixar de reconhecer que o problema da segurança pública no Brasil está entre os mais graves do mundo. Os números sobre a violência assustam. Segundo dados divulgados no Atlas da violência 2018, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em colaboração com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2016, o Brasil alcançou a marca histórica de 62.517 homicídios. Os problemas do país, porém, não serão resolvidos apenas com medidas para aumentar a proteção dos seus habitantes.

Educação não é apenas um direito de cada brasileiro, como diz a Constituição; é mais que isso, é o motor do progresso econômico e da justiça social; ter cada um de seus cérebros em escolas de qualidade é uma necessidade do Brasil. Educar é o desafio mundial para o século 21. Nada do que fizermos para recuperar economias, salvar florestas, acabar com a fome e a pobreza ou reduzir a violência dará certo se o investimento na educação não for a preocupação central em todas as nações. Não basta aumentar a quantidade de anos de estudo da população: é preciso oferecer uma educação com significado que prepare as pessoas para a vida, tanto no campo profissional quanto nos campos social e pessoal.  Isso implica o quê? Desenvolver tanto os aspectos cognitivos da aprendizagem clássica quanto as habilidades e competências sociais e emocionais.

Educar para a paz é investir na formação de pessoas em uma lógica de construção. Educar para a solidariedade e a paz exige formação de uma consciência crítica e ação contextualizada, que vise à superação das situações injustas. A educação para a paz pressupõe formação comprometida com a vida, baseada no respeito à dignidade humana, na igualdade, na justiça e na fraternidade.

Marcos Fabrício Lopes da Silva / Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista e poeta. Doutor e mestre em Estudos Literários pela UFMG