O 'Future-se' aponta para o futuro?
A construção de um ecossistema de inovação é lenta. O MARK I, primeiro computador da IBM, foi feito em 1937; os aparelhos de ressonância magnética que estão hoje nos hospitais são fruto do trabalho de Otto Stern, Nobel de Física, em 1943. Esses dois exemplos me servem para dizer que, num tempo em que esses aparelhos já estavam em funcionamento, o campus da UFMG na Pampulha nem existia. Constituía, em 1946, “um grupo de pessoas reunidas no meio do nada”, como descreve nossa colega Heloísa Starling, em seu livro Campus UFMG.
Não ressalto essa diferença entre o Brasil e o mundo para dizer que precisamos de tempo. É pelo motivo oposto. De 1993 a 2014, o número de instituições de pesquisa no Brasil saltou de 99 para 492; o de grupos de pesquisa, de quatro mil para 35 mil; e o de doutores, de 11 mil para 116 mil. O Brasil, que, na década de 1950, tinha uma produção científica irrelevante, virou o século 20 respondendo por 2,7% da produção científica mundial (dados de 2010). Esse valor merece destaque por ser equivalente à nossa participação na população do planeta e impressiona porque o número de pesquisadores per capita no Brasil chega a ser 10 vezes menor do que na Europa e nos Estados Unidos.
Mas a balança comercial brasileira ainda é positiva em itens de baixa intensidade tecnológica, como a extração de minério e a agropecuária, e negativa em relação aos produtos de transformação de média e alta densidade tecnológica. Em razão disso, a universidade está sendo cobrada hoje.
Apesar de aceitarmos como nossa a corresponsabilidade de desenvolver o país, a UFMG e outras instituições têm-se posicionado contra a proposta do Future-se por duas razões: primeiro, porque o programa aborda a gestão de forma lacunosa, ao permitir a diluição da autonomia das universidades. Isso parece centralizador, autoritário e até contraditório ao discurso de um governo dito liberal – não ajuda o fato de a proposta ser apresentada em um momento de grave contingenciamento, dando espaço ao questionamento sobre o real direito de escolha da instituição. Segundo, porque os pontos verdadeiramente relevantes do Future-se, relacionados ao incentivo ao empreendedorismo, à inovação, à internacionalização, já são parte dos nossos esforços passados e presentes.
O Marco Legal de CT&I de 2016, que altera nove leis para fomentar a inovação no Brasil, foi construído com o auxílio da UFMG. Esta, por sua vez, exercendo sua autonomia, estabeleceu sua política de inovação para ampliar sua contribuição para o avanço do sistema nacional de inovação, normatizando, por exemplo, a participação de professores em spin offs acadêmicas, o compartilhamento de sua infraestrutura laboratorial com empresas e a formação de alianças estratégicas para uso desses espaços. A Instituição também já iniciou uma discussão sobre a criação de identidade jurídica própria ao órgão responsável pela gestão da inovação na UFMG. A criação de uma OS (Organização Social) para abrigar esse órgão tem sido estudada como alternativa entre outras configurações jurídicas permitidas pelo marco legal. Além disso, a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep) criou um fundo de capital para financiar startups universitárias.
A UFMG sediou, nas últimas décadas, diversos Institutos de Ciência e Tecnologia (INCTs). Alguns deles deram origem a empresas, e outros centros de tecnologia foram instalados no Parque Tecnológico de Belo Horizonte, localizado em um terreno da UFMG. Também graças à presença da UFMG, Belo Horizonte e sua região metropolitana são hoje um polo de biotecnologia, com um parque tecnológico conhecido como Biotech Town, instalado próximo à Fundação Dom Cabral, uma das maiores escolas de negócios do mundo.
A UFMG e o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) coordenam projeto de uma planta-piloto para a produção de grafeno com base no grafite, agregando valor a um minério que é exportado em forma bruta, retirado da região de Pedra Azul, que não fica em áreas de proteção ambiental.
Tudo isso vem sendo construído e concretizado com a maior celeridade possível à luz das novas leis – em alguns casos até se antecipando a elas – que possibilitam ao país transformar produção científica em desenvolvimento tecnológico, de forma institucionalizada e intensa, graças à autonomia universitária.
O Brasil criou a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), e a UFMG abriga uma unidade da empresa que desenvolve um equipamento, único no mundo, para nanotecnologia. São diversos os exemplos de parcerias para desenvolvimento e transferência de tecnologias, empreendedorismo e inovação na UFMG. A Universidade tem mais de mil pedidos de patentes no Brasil e já celebrou mais de 100 contratos de licenciamento de tecnologias com empresas, gerando novos produtos, processos e serviços. Importante frisar que, nos últimos 10 anos, realizou 10 vezes mais transferências de tecnologia do que em toda sua história pregressa.
Tudo isso vem sendo construído e concretizado com a maior celeridade possível à luz das novas leis – em alguns casos até se antecipando a elas – que possibilitam ao país transformar produção científica em desenvolvimento tecnológico, de forma institucionalizada e intensa, graças à autonomia universitária.
Os cientistas das áreas tecnológicas se sentem hoje como agricultores que prepararam a terra, fizeram o plantio, cuidaram da plantação e, estando agora os campos verdes, o novo senhor da terra diz que o investimento foi em vão e que não haverá colheita.
Nós, professores e cientistas brasileiros, que somos classificados em tempo real por organismos internacionais, cuja excelência pode ser verificada a qualquer momento na internet, gostaríamos de transmitir um pedido à atual Administração do país: tenham mais confiança na nossa ciência, nas nossas instituições e no povo brasileiro.