Condado universal

Urbanização preserva vidas

Pesquisa da Medicina demonstra que taxas de homicídio caíram em favelas de Belo Horizonte favorecidas pelas ações do Programa Vila Viva

Área beneficiada com ações de revitalização urbana
Área beneficiada com ações de revitalização urbana Projeto Vila Viva | Urbel / PBH

Favelas beneficiadas por intervenções do Programa Vila Viva, da Prefeitura de Belo Horizonte, registraram, no início desta década, queda de até 30% das taxas de homicídio, enquanto os aglomerados que não receberam as melhorias tiveram um aumento de 28,8%. 

Essa conclusão consta da tese da médica sanitarista Maria Angélica de Salles Dias, defendida no Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina. Sua análise sobre essa intervenção estruturante em vilas e favelas da capital compreendeu um período de 11 anos (2002 a 2012). Entre as medidas, o programa promoveu revitalização urbanística, ações de desenvolvimento social e econômico e legalização de posse dos terrenos e domicílios em áreas vulneráveis.

De acordo com a pesquisadora, a melhoria na infraestrutura e no acesso a outras políticas urbanas e sociais nesses locais resultou, direta ou indiretamente, na queda da mortalidade por homicídios das áreas analisadas, em especial nos dois últimos anos do estudo, que coincidiu com a finalização de boa parte das intervenções do programa. Os dados foram extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, sistematizado pela Secretaria de Saúde de Belo Horizonte.


Realidade comum 

A pesquisa considerou as taxas de homicídios registradas em dez das maiores favelas da capital mineira: Serra, Morro, São José, Ventosa, Vista Alegre, Santa Lúcia, Cabana, São Tomaz, Jardim Felicidade e Pedreira. Cinco delas receberam obras de intervenção do programa, e outras cinco não foram alvo de mudanças estruturais proporcionadas pelo Vila Viva. 

Os dez aglomerados reúnem 40% da população que vive em favelas da capital. Todas apresentam características comuns relacionadas à saúde, ao acesso a serviços básicos e ao perfil socioeconômico e demográfico. Elas também compartilham taxas elevadas de violência e diversos indicadores de vulnerabilidade social – das precárias condições de habitabilidade até a insuficiência de renda e emprego.

De acordo com Maria Angélica de Salles, a literatura sobre saúde urbana mostra que situações de risco ligadas à urbanização desordenada tornam os moradores desses locais mais vulneráveis aos riscos de adoecimento e morte. Para ela, essa vulnerabilidade está relacionada à insuficiência de políticas urbanas e sociais que expõe os indivíduos a agravos de saúde, como doenças decorrentes da carência de saneamento, do lixo urbano e das precárias condições dos domicílios. “O risco de homicídio nesses locais é maior. Faltam políticas de estado de bem-estar social, incluindo as de segurança pública protetiva. E, em muitos desses locais, o tráfico substitui o Estado, o que torna esses moradores ainda mais vulneráveis”, ressalta a médica sanitarista.

Os dez aglomerados reúnem 40% da população que vive em favelas da capital. Todas apresentam características comuns relacionadas à saúde, ao acesso a serviços básicos e ao perfil socioeconômico e demográfico.


Melhorias

Com o objetivo de reverter esse cenário, o programa Vila Viva promove intervenções de revitalização urbanística, construção de equipamentos públicos e de unidades habitacionais nas favelas contempladas. Nos casos dos locais analisados pelo estudo, foram abertas 134 vias de circulação mais ampla e recuperados becos, ambos com iluminação pública, asfaltamento, construção de obras de saneamento, contenção de encostas, riscos de deslizamentos e inundações, além da melhoria de acessibilidade para pedestres, carros e ambulâncias. Foram construídas 3.178 moradias, oito parques e 18 equipamentos públicos, como escolas, centros culturais, quadras de esporte e espaços de lazer. 

Por meio de técnicas espaciais, Maria Angélica identificou mudanças nas áreas mais violentas, comparando os homicídios por local de residência, antes e depois das intervenções. “Nessa análise preliminar, ainda com dados de residência e não de ocorrência, verificamos que a criminalidade vai se afastando dos locais com intervenção. Após o fim das obras nas favelas, os pontos ‘quentes’ ou clusters de homicídios se afastaram dos locais”, afirma.


Inquérito domiciliar

Após a análise preliminar dos dados secundários da Prefeitura de Belo Horizonte e do Ministério da Saúde, Maria Angélica está desenvolvendo, com o Observatório de Saúde Urbana, a segunda parte do estudo. Um inquérito domiciliar já foi aplicado para 1.193 moradores que vivem em duas vilas da capital – uma recebeu mudanças do Vila Viva, e outra ainda não foi beneficiada pelas intervenções, mas está em processo de captação de recursos para implantação do programa.

O objetivo, segundo a médica sanitarista, é comparar a percepção dos moradores com o ambiente antes e depois da intervenção. Por isso, a vila sem intervenção será utilizada para traçar o mesmo comparativo após a conclusão das obras. A previsão é de que as respostas sejam analisadas até o primeiro semestre de 2020. 

Tese: Mortalidade por homicídios em áreas vulneráveis de Belo Horizonte, objeto de intervenções urbanas e sociais do projeto Vila Viva: uma análise comparativa
Autora: Maria Angélica de Salles Dias
Orientadora: Waleska Teixeira Caiaffa
Coorientadora: Amélia Augusta de Lima Friche
Programa: Saúde Pública
Defesa: fevereiro de 2019

Marcela Brito / Estagiária de jornalismo da Assessoria de Comunicação da Faculdade de Medicina