Turquia e Brasil: os acontecimentos de 2013

'Teatro' de cultos

Pesquisador revela, em livro, a produção dos entalhadores em madeira, artistas que criaram, no século 18, a cenografia das igrejas mineiras

D. João V, rei português durante a primeira metade do século 18, era amante das artes, sobretudo do barroco romano, e estimulou fluxo intenso de arquitetos e artistas de outras partes da Europa para Portugal. O repertório europeu foi bastante modificado, formaram-se artistas portugueses em diversas áreas, e alguns deles vieram para o Brasil para, no período de 1730-1760, criar as esculturas ornamentais em madeira que transformaram igrejas mineiras de interior despojado em rebuscados “teatros” para o culto a Deus.

Estudos sobre essa produção que valorizou os retábulos de igrejas e capelas vêm sendo retomadas após algumas décadas de pouco interesse no assunto, e um dos expoentes desse movimento é o pesquisador Aziz José de Oliveira Pedrosa, que acaba de lançar o livro A produção da talha joanina na Capitania de Minas Gerais – retábulos, entalhadores e oficinas (Editora UFMG). Na obra, que reúne resultados de pesquisa de doutorado realizada no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG, Aziz mapeia a produção e oferece novas informações sobre autoria, vida e obra dos entalhadores, estrutura e funcionamento das oficinas e a influência da arte de Portugal.

“Os entalhadores chegavam a Minas depois de viagens duras que, geralmente, incluíam temporadas no Rio de Janeiro, para recuperar-se do cansaço e fazer algum dinheiro. Eram artistas conectados com as novidades europeias e fizeram a transferência do repertório plástico português para altares e retábulos mineiros”, conta Aziz Pedrosa, que refez, por meio de visitas às igrejas e seus acervos históricos e a arquivos públicos, no Brasil e em Portugal, os caminhos de nomes como Manoel de Brito, Francisco Xavier de Brito, José Coelho de Noronha, Francisco de Faria Xavier, Jerônimo Félix Teixeira e Felipe Vieira.

Colunas sinuosas, de tipologia salomônica, elementos de teatro (cortinados, entre outros), figuras antropomórficas aladas e elementos arquitetônicos como frontões interrompidos e arquitraves são algumas características comuns à talha retabular, dourada e policromada. Aziz percorreu igrejas de municípios como Ouro Preto – onde estava a maior parte dos recursos disponíveis para as encomendas –, Mariana, Sabará, São João del-Rei, Tiradentes, Catas Altas, Itabirito, Barão de Cocais e Caeté.

Riscos comuns

Retábulo-mor da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Catas Altas
Retábulo-mor da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Catas Altas Aziz Pedrosa

Aziz Pedrosa explica que os artistas concorriam em editais lançados pela Coroa ou pelas irmandades, que já continham o desenho da obra pretendida e o valor que deveria ser desembolsado. O mestre vencedor organizava sua oficina, que quase sempre era instalada nos próprios templos, e sua equipe, geralmente composta de entalhadores – que entendiam de desenho e arquitetura –, escultores, carpinteiros e auxiliares, também responsáveis pela montagem da talha, e douradores.

“Algumas oficinas eram fixas, outras, estruturadas in loco para serem desfeitas após o serviço, e mais raramente os trabalhos eram contratados separadamente”, diz Pedrosa, que é professor de História da Arte da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). Por vezes, segundo ele, o mesmo risco servia para os altares de duas ou três igrejas, embora a execução pudesse conferir aspectos distintos às obras.

Aziz Pedrosa aborda, no livro, as talhas de 23 igrejas e capelas de 15 cidades. Embora ele localize no alvorecer dos anos de 1730 os primeiros espécimes do Barroco joanino, em Minas – nas matrizes de Santo Antônio, em Tiradentes, e de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto –, também encontrou indícios de experimentações nesse estilo já no fim da década anterior, quando foi produzido, por Francisco Branco de Barros Barrigua, o retábulo-mor, já desaparecido, da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Prados. 

Livro: A produção da talha joanina na Capitania de Minas Gerais – retábulos, entalhadores e oficinas
Autor: Aziz José de Oliveira Pedrosa
Editora UFMG (Coleção Incipit)
384 páginas / R$ 79,80

Itamar Rigueira Jr.