Viagem pela virosfera
Trabalho vencedor do Grande Prêmio de Teses mergulha no universo dos vírus gigantes, onde podem estar chaves de novos medicamentos e soluções biotecnológicas
Consideradas as entidades biológicas mais abundantes e diversas do planeta, os vírus formam uma virosfera. Capazes de infectar todo ser vivo, eles têm como hospedeiros preferenciais os seres humanos, e o sistema nervoso central é um dos mais afetados. Fora dessa virosfera antropocêntrica, destacam-se os vírus gigantes, associados a amebas de vida livre, como o tupanvírus, cuja complexidade genômica e estrutural, analisada sob diferentes estratégias – sistemática, genômica e transcriptômica –, pode resultar na catalogação de uma nova espécie e até mesmo de um novo gênero, no Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV, na sigla em inglês).
70% dos 1.300 genes do tupanvírus ainda são desconhecidos.
As descobertas foram descritas no trabalho de Rodrigo Araújo Lima Rodrigues, vencedor do Grande Prêmio de Teses UFMG, na grande área de Ciências Agrárias, Ciências Biológicas e da Saúde. “Partimos da ideia clássica de que os vírus estão por toda parte e infectam todo ser vivo. Mas precisávamos entender melhor como essa interação ocorre. Ao analisar o banco do ICTV, que, em 2016, contava com cerca de quatro mil vírus catalogados, descobrimos que a grande maioria dos organismos é infectada por apenas um ou dois vírus conhecidos. E o mais surpreendente foi identificar, pela primeira vez, que os seres humanos são infectados por pelo menos 320 espécies virais, e o sistema nervoso central é um dos mais afetados”, revela o pesquisador.
Gigantes desconhecidos
Os vírus gigantes, como o tupanvírus, têm partículas de 1.200 nanômetros de tamanho (1 nanômetro corresponde a 1 bilionésimo do metro), frente aos 750 dos mimivírus ou 50 nanômetros do vírus da dengue, por exemplo. O genoma tem cerca de 1.300 genes e 1,5 milhão de nucleotídeos, frente aos dez genes e dez mil nucleotídeos encontrados no agente causador da dengue. “Associados a amebas de vida livre, não transmitem doenças aos seres humanos, motivo pelo qual estão fora do grupo de maior interesse científico. Por isso, nossa surpresa e gratidão pela premiação”, afirma Rodrigues, que acredita na possibilidade da descoberta, nesse universo, de “chaves para novos medicamentos ou estruturas que poderão ser utilizadas pela biotecnologia”. Segundo o pesquisador, 70% dos 1.300 genes do tupanvírus ainda são desconhecidos.
Rodrigues analisou o grupo dos mimivírus, cedratvírus e marseillevírus. Na família Mimiviridae, que se distingue por apresentar genes que participam da síntese de proteínas – a ausência desses genes é que difere vírus de outros organismos vivos –, o pesquisador identificou um grupo de genes específicos, chamado aminoacil tRNA sintetase, que codifica uma enzima-chave na produção de proteínas.
Até então, a principal discussão científica mundial nesse campo – que contou, inclusive, com a colaboração do grupo do professor Jônatas Santos Abrahão, orientador de Rodrigues – dizia respeito à origem e à razão da existência desses genes, já que a síntese de proteínas é realizada pelos hospedeiros. “Acreditávamos que esses genes estivessem presentes no ancestral desse grupo de vírus. Os mimivírus têm até sete desses genes. E quando fizemos a análise genômica do tupan, que é da mesma família, identificamos até 20 genes para cada aminoácido conhecido”, afirma Rodrigues.
Na análise morfológica, o tupanvírus apresentou diferenças estruturais, nos genes e nos efeitos sobre os hospedeiros em relação aos demais mimivírus, o que justificou a proposição de nova hipótese sobre esse grupo: sua complexidade não está na origem, mas foi adquirida com a própria evolução.
Transcriptômica
Com o emprego da transcriptômica, o pesquisador pode observar os gens transcritos do tupan, ou seja, aqueles que foram expressos na replicação em tempos variados. Segundo ele, a vantagem é que ferramenta possibilita analisar exatamente os genes que estão sendo utilizados e não apenas preditos, como ocorre na bioinformática. A transcriptômica, que ainda não tinha sido utilizada pelo grupo do ICB, foi empregada para outro grupo de gigantes, os marseillevírus, confirmando a presença de genes previamente preditos e um perfil temporal de transcrição gênica para esses vírus. Com as novas análises, foi demonstrado que alguns genes do vírus são ativos logo que ele entra em seu hospedeiro, enquanto outros são expressos mais tardiamente.
O Brazilian cedratvírus IHUMI, também analisado por Rodrigues, apresentou partículas menores que os demais vírus do grupo, além de ter um genoma menor, com cerca de 460 mil nucleotídeos. A organização dos genes é bem diferente da que chegou a ser descrita para outros vírus do mesmo grupo. Os dados levaram à proposição do isolamento de uma nova linhagem de vírus até então desconhecida.
Os trabalhos de Rodrigo Rodrigues continuam na residência pós-doutoral em Microbiologia do ICB, sob a orientação do professor Jônatas Abrahão, coordenador do grupo que já identificou mais de 200 vírus gigantes, como o próprio tupanvírus.
Tese: Análise extensiva da virosfera e seus hospedeiros: Avançando na sistemática, genômica e transcriptômica de vírus gigantes
Autor: Rodrigo Araújo Lima Rodrigues
Orientador: Jônatas Santos Abrahão
Defendida em dezembro de 2018, no Programa de Pós-graduação em Microbiologia do ICB