Vilas à inglesa
Pesquisadores reúnem em livro abordagens sobre a influência dos assentamentos operários no desenvolvimento de cidades brasileiras
Numerosas vilas operárias erguidas no Brasil foram adaptações do modelo company town, oriundo do processo de industrialização inglesa. Companhias mineradoras e têxteis, entre outras, proviam para seus empregados habitação e equipamentos urbanos, como escolas e hospitais, que ficavam próximos às instalações industriais. A influência desses assentamentos, criados nos séculos 19 e 20, é muito presente em diversas cidades brasileiras.
Pesquisadores vinculados ao Laboratório da Paisagem da Escola de Arquitetura da UFMG e de outras instituições acabam de lançar a coletânea O modelo das companhias industriais e seus reflexos nas cidades brasileiras (Editora CRV), em que analisam a história, as características e as transformações sociais provocadas por essas vilas, materializadas na paisagem. “Nossas cidades fizeram releituras do modelo, com especificidades locais. Um ponto em comum é o controle social e econômico exercido pelas empresas”, explica a professora Marina Salgado, uma das organizadoras do livro.
No Sul do Brasil, a empresa inglesa Paraná Plantations, fundada em 1924 para comercializar terras no norte do estado, implantou núcleos urbanos com o intuito de formar uma rede de apoio à produção rural.
O professor Ian Morley, da Chinese University of Hong Kong, observa que empresários britânicos encontraram suas próprias soluções para os desafios urbanos: desenharam comunidades segundo padrões sociais, sanitários e ambientais bem mais exigentes que os de Londres, Manchester e Glasgow. “As novas comunidades, inspiradas por combinação de filantropia e paternalismo, criaram novo paradigma para o desenvolvimento das paisagens urbanas, encorajando a baixa densidade e alimentando ideias como a de cidade-jardim”, afirma Morley, que assina o primeiro capítulo do volume, em entrevista por e-mail.
A professora Beatriz Couto, da Escola de Arquitetura, aborda a vila de Biribiri, em Diamantina, uma das primeiras do país e exemplar da transição das cidades portuguesas para as cidades implantadas por empresas. Ela foi planejada em conjunto pelo bispo de Diamantina e por um arquiteto inglês. “O lugar tradicionalmente ocupado pela igreja era o da casa do gerente da fábrica de tecidos. E a igreja é vista por trás por quem chega à vila. A escola não se distingue das outras casas”, comenta Beatriz, acrescentando que a fábrica ficava na parte baixa, perto das cachoeiras, geradoras de energia. No mesmo artigo, a professora trata do caso de Sabará, cuja vila foi construída pela mineradora Belgo, com casas de boa qualidade e espaço para atividades de lazer, como o futebol.
Apoio à produção rural
No Sul do Brasil, a empresa inglesa Paraná Plantations, fundada em 1924 para comercializar terras no norte do estado, implantou núcleos urbanos com o intuito de formar uma rede de apoio à produção rural. Numa primeira fase, que deu origem a municípios como Londrina, os núcleos ficavam distantes cerca de 15 quilômetros entre si, ao longo da linha férrea. “Com a nacionalização do capital e o surgimento da Companhia Melhoramentos, começa a existir uma hierarquia entre as cidades: as principais dessa fase foram Maringá, Cianorte e Umuarama”, afirma a professora Karin Meneguetti, da Universidade Estadual de Maringá, que assinou artigo com o colega Renato Leão Rego.
Diversos autores dedicam-se a múltiplos aspectos do caso de Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A doutoranda em Arquitetura na UFMG Manoela Gimmler Netto, que lançou mão do instrumental da morfologia urbana para sua análise, mostra que a urbanização implantada a partir da década de 1830 pela Saint John d’El Rey Mining Company apostou na estratificação social. “Os chefes viviam em casas com varandas, no centro de lotes amplos, nas partes altas da cidade. Os trabalhadores menos qualificados moravam nas partes baixas, em casas enfileiradas, divididas pela mesma parede”, relata. Os outros artigos da seção sobre Nova Lima abordam os espaços livres públicos, a transformação da paisagem dos condomínios, a influência da cultura externa e as novas centralidades.
Livro: O modelo das companhias industriais e seus reflexos nas cidades brasileiras
Organizadoras: Maria Cristina Villefort Teixeira, Maria Manoela Gimmler Netto, Marieta Cardoso Maciel, Marina Salgado e Stäel de Alvarenga Pereira Costa
Editora CRV
214 páginas / R$ 75 (impresso) e R$ 59,50 (digital), no site da editora