Afeto e reconhecimento

Coração valente

Estudo iniciado na UFMG revela dados inéditos sobre a eficácia de medicamento na prevenção de cardiotoxicidade em pacientes com câncer de mama expostas a quimioterapia

Em sua dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Medicina, em 2018, a cardiologista Ariane Vieira Scarlatelli Macedo já havia constatado que o uso do dexrazoxano reduz em cerca de 80% o risco de insuficiência cardíaca em mulheres com câncer de mama que fizeram quimioterapia com antraciclina. Recentemente, Ariane aprofundou os estudos, avaliou o uso do cardioprotetor em diferentes estágios do câncer – do inicial até o mais avançado – e demonstrou que a droga continua eficaz e não prejudica a ação do quimioterápico. 

As conclusões de sua investigação acabam de ser publicadas na primeira edição da JACC CardioOncology, periódico científico internacional especializado em cardio-oncologia. “Verificamos que a droga permaneceu eficaz independentemente do estágio da doença. Esse é um dado importante porque ainda havia dúvidas sobre o tipo de paciente para quem se podia oferecer o medicamento. Trata-se de um resultado inédito, já que não havia estudos com esse grau de detalhamento”, comenta a pesquisadora. 

Ariane Macedo: novo campo tem gerado grande número de artigos
Ariane Macedo: novo campo tem gerado grande número de artigos Arquivo Pessoal

Ariane Macedo também investigou outra preocupação da comunidade médica: a possibilidade de o dexrazoxano interferir no resultado de cura do câncer. O questionamento era se a droga impedia a ação da quimioterapia apenas no coração ou se também diminuía seu efeito no tumor. A cardiologista não encontrou nenhum sinal desse risco. Para isso, avaliou todos os desfechos oncológicos das pacientes que fizeram quimioterapia tomando a medicação cardioprotetora em comparação com as que não tomaram. Ela considerou a resposta do tumor – se reduziu sem sumir ou se desapareceu completamente –, bem como a sobrevida geral dessas mulheres. 

“Todos os parâmetros que os oncologistas usam para resposta parcial ou a patológica completa, sobrevida geral ou sobrevida de nível de progressão (tempo até a doença voltar a aparecer) foram equivalentes para quem tomou o cardioprotetor e para quem não o tomou. Esse é um dado de segurança que não existia”, afirma Ariane. A partir desses achados, ela acredita que está aberto um novo caminho para o uso, com grande margem de segurança, do dexrazoxano como medicamento associado à quimioterapia no combate ao câncer de mama.

“O diagnóstico de câncer provoca grande impacto na vida da paciente. O tratamento é longo, e o foco é mesmo acabar com o tumor. Mas a segurança do coração durante esse processo é muito importante. A alta taxa de cura, principalmente devido ao diagnóstico precoce, leva mais mulheres a sofrer com insuficiência cardíaca ou com outros problemas do coração decorrentes da quimioterapia”, ressalta a pesquisadora. 

Estudos mostram até cinco vezes mais prevalência de doenças cardiovasculares na população que passou pela quimioterapia com antraciclina

Segundo Ariane Macedo, a pesquisa focou o câncer de mama devido a sua alta prevalência, mas os dados servem para outras especialidades. “Os tumores infantis, principalmente os não sólidos como os hematológicos, usam muito a quimioterapia com antraciclina. Felizmente, são casos com alto índice de cura, mas essas crianças e adolescentes podem sofrer com um problema cardiovascular aos 20 ou 30 anos de idade”, informa. De acordo com Ariane, há estudos que mostram até cinco vezes mais prevalência de doenças cardiovasculares nessa população que passou pela quimioterapia com antraciclina, na comparação com grupos da mesma faixa etária que não se submeteram ao mesmo tratamento. 

Reconhecimento

Para Ariane Macedo, o ineditismo da sua pesquisa e dos resultados alcançados foi decisivo para que o seu artigo fosse aceito para publicação na primeira edição da JACC CardioOncology, da American College of Cardiology, especializada em um campo para onde convergem cardiologia e oncologia e no qual se inserem as  doenças que mais matam no mundo. 

A cardiologista comenta que a criação de uma revista científica indica que determinado campo tem chamado muita atenção, gera grande número de artigos e precisa de um espaço editorial para achados de alta qualidade e confiabilidade. “É uma evidência de que existem boas pesquisas na área e que o principal órgão de cardiologia do mundo, a American College of Cardiology, resolveu dedicar um braço de pesquisa para a cardio-oncologia”, comenta Ariane Macedo. 

O artigo Efficacy of dexrazoxane in preventing anthracycline cardiotoxicity in breast cancer (em português, Eficácia do dexrazoxano na prevenção da cardiotoxicidade da antraciclina no câncer de mama) foi publicado em setembro de 2019 no site da JACC CardioOncology (https://cardiooncology.onlinejacc.org/). A revista é trimestral.

Ariane Vieira Scarlatelli Macedo é graduada em Medicina pela UFMG, com residência em Clínica Médica e Cardiologia no Instituto do Coração (Incor) da Universidade de São Paulo (USP), e mestre em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto pela UFMG. É fundadora e atual vice-presidente do Grupo de Estudos de Cardio-oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Atualmente, ela atua como médica assistente do ambulatório de cardio-oncologia da Santa Casa de São Paulo.

Deborah Castro - Jornalista do Centro de Comunicação da Faculdade de Medicina da UFMG