No território comum

Diversidade na transição

Pesquisa liderada por professor do ICB revela que áreas mais secas entre a Amazônia e o Cerrado abrigam maior número de linhagens de plantas

Resultados de estudo recém-publicado na revista Scientific Reports contrariam o entendimento de décadas sobre a forma como a diversidade de plantas é distribuída ao longo de gradientes de precipitação (chuva). Os pesquisadores esperavam encontrar maior diversidade de linhagens de plantas em áreas mais úmidas, como a Amazônia, mas acharam um número maior em regiões sazonalmente secas, na transição da Amazônia para o Cerrado brasileiro.

O trabalho é resultado da investigação de 20 pesquisadores de instituições da América do Sul e do Reino Unido, incluindo dois docentes da UFMG: Danilo Neves, que lidera a pesquisa, e Ary Oliveira-Filho, ambos do ICB.

A maior parte dos estudos está focada na comparação da diversidade de linhagens – tanto de plantas quanto de animais – entre regiões com clima mais frio e regiões mais quentes. No entanto, nas regiões tropicais, existem várias outras condições ambientais que vinham sendo negligenciadas pelas pesquisas, como a distribuição baseada em diferentes condições de precipitação ou os impactos das mudanças climáticas globais. O novo estudo aumenta a compreensão específica sobre a distribuição das linhagens de plantas com flores, também conhecidas como angiospermas, na América do Sul.

“Foram mais de três anos de trabalho de campo com o objetivo de encontrar centenas de linhagens de plantas. As atividades de campo concentraram-se no Brasil, na Bolívia e no Peru".

“Foram mais de três anos de trabalho de campo com o objetivo de encontrar centenas de linhagens de plantas. As atividades de campo concentraram-se no Brasil, na Bolívia e no Peru”, informa Danilo Neves. No Brasil, foram coletadas plantas em áreas de Mata Atlântica (Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro), Cerrado (Goiás, Tocantins e Mato Grosso do Sul) e Floresta Amazônica (Amazonas e Pará). 

Danilo Neves em trabalho de campo na Floresta Nacional de Caxiuanã, na Amazônia paraense
Danilo Neves em trabalho de campo na Floresta Nacional de Caxiuanã, na Amazônia paraense Arquivo pessoal

História macroevolutiva

No artigo, os autores descrevem uma descoberta inesperada: a maior diversidade evolutiva nas florestas tropicais sul-americanas não está nos ambientes mais úmidos, mas em comunidades arbóreas que ocorrem sob precipitação intermediária. O trabalho também reuniu uma quantidade sem precedentes de sequências de DNA de linhagens de plantas da América do Sul, o que propiciou, segundo os autores, a visão mais abrangente até o momento sobre a história macroevolutiva das plantas com flores encontradas na América do Sul.

A pesquisa é baseada em uma combinação única de dados de inventário florestal e filogenéticos (DNA). “Reunimos uma base de dados inigualável em sua amplitude e detalhe ecológico –  2.025 levantamentos de comunidades (conjunto de espécies) de árvores –, abrangendo todo o espaço ambiental em terras baixas e tropicais da América do Sul, território que abrange grandes biomas, como a Amazônia, as florestas tropicais atlânticas e as savanas do Cerrado”, esclarece Danilo Neves.

Os dados coletados são combinados com uma nova filogenia molecular calibrada temporalmente, compreendendo quase todos os gêneros de angiospermas nas planícies tropicais da América do Sul. Foi possível, então, reconstruir uma árvore da vida – com 160 milhões de anos da história evolutiva dessas linhagens de plantas –, que está sendo disponibilizada para a comunidade científica como parte do estudo.

Arco do desmatamento

A região de maior diversidade de linhagens coincide com o chamado “arco do desmatamento”, onde as pressões antrópicas são maiores. A descoberta exige maior atenção conservacionista para a zona de transição entre a Amazônia oriental e as savanas e florestas secas vizinhas. Essas comunidades arbóreas altamente ameaçadas ocorrem ao longo do arco do desmatamento, onde a alteração do habitat tem sido intensa, rápida e ignorada. Além disso, a importância dessas áreas como abrigo de uma diversidade evolutiva única ainda é desconhecida.

A descoberta exige maior atenção conservacionista para a zona de transição entre a Amazônia oriental e as savanas e florestas secas vizinhas.

“Nossos resultados ressaltam a importância de implementar estratégias de conservação efetivas para preservar as florestas e savanas encontradas na transição entre o leste da Amazônia e o Cerrado brasileiro”, afirma Danilo Neves. Segundo o especialista, estudos recentes mostram que áreas com maior diversidade de linhagens de plantas, ou seja, maior diversidade evolutiva, apresentam maior produtividade primária, sendo mais eficientes no trabalho de retirada de gases de efeito estufa da atmosfera.

“Proteger as poucas florestas e savanas que ainda existem no arco do desmatamento representaria uma estratégia mais eficiente para preservar a maior amplitude de linhagens de plantas da América do Sul e, ao mesmo tempo, cumprir com as metas internacionais assinadas pelo governo brasileiro sobre ações para mitigar os efeitos das mudanças climáticas globais causadas pela alta concentração de gases de efeito estufa na atmosfera”, alerta o coordenador da pesquisa.

Artigo: Evolutionary diversity in tropical tree communities peaks at intermediate precipitation
Disponível no site Scientific Reports.

Eliane Estevão e Luiza França