Uma vez até morrer
Com estudo de caso sobre organizada do Atlético, pesquisador da EEFFTO analisa a “produção dos modos de ser torcedor”
O que a Teoria do Discurso de Michel Foucault (1926-1984) tem a ver com a paixão incondicional do torcedor pelo seu time do coração? O pesquisador Mauro Lúcio Maciel Júnior, mestre pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudo do Lazer na UFMG, “bebeu” na fonte do filósofo e historiador francês para compreender o comportamento de uma torcida organizada do Clube Atlético Mineiro – o Movimento 105 –, criada em 2006, sob inspiração das fanáticas torcidas de clubes argentinos e uruguaios.
“Eles se portam como torcedores que empenham apoio e fidelidade irrestritos ao clube. Esse elemento discursivo também permeia o comportamento do sujeito em um estádio de futebol. Sob a perspectiva de Foucault, é como se o discurso tivesse o poder de criar o sujeito social e, por meio dele, o sujeito falasse aquilo que é ou deseja ser”, teoriza Mauro Júnior, autor da dissertação defendida em julho do ano passado.
Ele acompanhou, in loco, 16 partidas do Atlético como mandante no Campeonato Brasileiro de 2018 e entrevistou 10 participantes do Movimento 105 que desempenhavam diferentes funções dentro do agrupamento. A parte teórica do estudo foi embasada pela Teoria do Discurso, de Foucault. “A linguagem tem papel importante na construção do ser social. Assim, busquei trabalhar as interações nesse grupo como práticas ancoradas em discursos que exercem papel decisivo na produção das condutas dos indivíduos”, afirma.
Em relação especificamente ao Movimento 105, Mauro Júnior procurou compreender como se dá o processo de formação do torcedor e das características que singularizam a organizada. “É um modo diferente de torcer. Eles não criticam os jogadores, não têm cantos que enaltecem a própria organizada, mas apenas o Atlético”, analisa.
Segundo o pesquisador, esse comportamento é inspirado nas barras, torcidas conhecidas na Argentina e no Uruguai pelo apoio incondicional que devotam aos seus times. “Entre as características comuns compartilhadas com essas torcidas, observamos, no Movimento 105, as faixas verticais com as cores do clube e instrumentos musicais, principalmente a murga (bumbo com pratos), que nenhuma outra torcida do Atlético utiliza. Eles também entoam um canto ininterrupto, que, por ser mais pausado, no estilo argentino, é mantido durante todo o jogo. Ainda há o movimento do braço, o movimento de ‘alento’ e a postura de ficar em pé na cadeira durante os 90 minutos”, pontifica Mauro Júnior, que é bacharel em Educação Física pela UFMG.
Fora da caixa
Atleticano e integrante do Grupo de Estudos sobre Torcidas de Futebol (GEFuT) e do Oricolé – Laboratório de Pesquisa sobre Formação e Atuação Profissional em Lazer, ambos da UFMG, Mauro Júnior assumiu o desafio de desenvolver uma pesquisa de perfil diferente do padrão da área Educação Física. Seu estudo tem viés sociológico bem marcado. “Foi um desafio, pois me envolvi com construções teóricas difíceis de estudar, ainda mais quando elas não estão presentes em nossa formação”, afirma o mestre.
O Movimento 105 Minutos tem a filosofia de apoiar o time durante todo o jogo, incluindo os 15 minutos do intervalo – daí a origem do nome. O grupo, que contava com 120 torcedores à época da pesquisa de campo, frequenta os estádios com objetos pouco comuns entre as torcidas brasileiras, como tirantes, trapos e cachecóis.
Dissertação: Além dos 105 minutos: currículo cultural e (re)produção de modos de ser torcedor
Autor: Mauro Lúcio Maciel Júnior
Orientador: Hélder Ferreira Isayama
Defesa: 17 de julho de 2019, no Programa Pós-graduação Interdisciplinar em Estudo do Lazer na UFMG