O que os olhos não veem

Letramento na colônia

Livro da Editora UFMG aborda a educação na América portuguesa com foco na administração, nas instituições e na cultura escrita

O período colonial ainda é o menos estudado quando se trata da história da educação no Brasil, mas essa realidade tem mudado. Estudiosos encontram abundância de fontes, sobretudo no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em Portugal, e atuam em núcleos como o Grupo de Pesquisa Cultura e Educação nos Impérios Ibéricos (CEIbero), que tem forte participação de pesquisadores da UFMG. O grupo acaba de lançar o livro Cultura e educação na América portuguesa (Editora UFMG), com trabalhos apresentados no primeiro colóquio sobre o tema, realizado em 2012, na Universidade.

Uma senhora brasileira em seu lar, de Jean-Baptiste Debret (1823): ambiente familiar também era dedicado ao letramento
'Uma senhora brasileira em seu lar', de Jean-Baptiste Debret (1823): ambiente familiar também era dedicado ao letramento Acervo Banco Itaú

Concentradas no século 18 e atentas aos significados da presença do Brasil no Império português, as investigações concentram-se em três grandes temas: o efeito das reformas iluministas sobre a administração da colônia, o papel das instituições de diversas naturezas e a presença da cultura escrita. “Acreditamos que é fundamental pensar a história da educação sempre articulada com outros campos da historiografia. Congregamos estudos sobre instituições religiosas, educação escolar e produção de livros, entre vários outros aspectos”, afirma Thais Nívia de Lima e Fonseca, professora da Faculdade de Educação da UFMG, coordenadora do grupo de estudos e organizadora do volume, ao lado de Antonio Cesar de Almeida Santos, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Thais Fonseca lembra que, no século 18, Portugal sofreu grande influência do Iluminismo, e isso teve efeitos importantes no Brasil, na medida em que norteou a definição de políticas de Estado, inclusive para a educação – para ficar em um exemplo, as escolas públicas foram criadas no Brasil em 1759. O livro aborda também o papel educacional da Igreja e das academias militares, estas dedicadas, sobretudo, à formação técnica.

Leitura para Deus

Segundo a organizadora, a cultura escrita tinha grande relevância também fora das escolas. “O escrito orientava muitas dimensões da vida social e era valioso mesmo para as camadas pobres e iletradas, que dependiam de instâncias administrativas e jurídicas para resolver questões diversas”, explica Thais. Essa informação rompe com uma convicção arraigada sobre o período colonial, ressalta Thais Fonseca. Outra ideia questionada no volume é a de que mulheres em locais de recolhimento não teriam acesso à cultura letrada. O capítulo assinado por Ana Cristina Lage, doutora pela FaE e professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), mostra que, nos conventos, “acreditava-se que, quanto maior o letramento focado no conhecimento religioso, maior seria a aproximação com Deus”.

Outra ideia questionada no volume é a de que mulheres em locais de recolhimento não teriam acesso à cultura letrada.

Laura de Mello e Souza, da Universidade de Paris IV-Sorbonne, discorre sobre “uma curiosa pedagogia implícita” em escritos de governantes portugueses (e outros de louvação a eles), nos séculos 17 e 18. Ela defende que esses discursos tinham a preocupação com a educação do povo, utilizavam a experiência própria para ensinar aos servidores e apelavam ao “exemplo edificante” que justificava a obediência aos governantes. 

Em seu texto, Guilherme Pereira das Neves, da Universidade Federal Fluminense, propõe reflexão sobre os vínculos entre cultura e educação que extrapolam marcos temporais e relacionam indagações do passado e do presente. Ana Rita Bernardo Leitão, residente de pós-doutorado na Universidade de Lisboa, apresenta resultados de estudos sobre administração escolar e ensino das primeiras letras, com atenção aos processos reformadores ilustrados.

O CEIbero vem ampliando o escopo das investigações, para incluir a educação de músicos, militares, trabalhadores, escravos e alforriados. Thais de Lima e Fonseca revela inquietação com uma lacuna na história da educação colonial: “Há documentação expressiva sobre ações estatais e os professores, mas os alunos ainda são sujeitos ocultos do processo. Nosso esforço é para jogar luz sobre esse sujeito histórico”, anuncia.

Livro: Cultura e educação na América portuguesa
Organizadores: Thais Nívia de Lima e Fonseca e Antonio Cesar de Almeida Santos
Editora UFMG
184 páginas / R$ 32 

Itamar Rigueira Jr.