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Academia assimétrica

Tese da FaE relata discriminações sofridas pelas mulheres na universidade

Desigualdade na produção acadêmica e tendência, ainda que não intencional, de avaliar candidatas com maior rigor e de conferir mais credibilidade aos discursos masculinos indicam que ainda existe preconceito contra mulheres na academia. Essas situações, também reproduzidas na UFMG, foram identificadas pelo pesquisador Marcel de Almeida Freitas em sua tese de doutorado, defendida no início deste ano na Faculdade de Educação (FaE). O trabalho baseou-se em entrevistas feitas com 17 mulheres do quadro permanente de servidores da Universidade que atuam como docentes e pesquisadoras.

“Procurei analisar, com base nas entrevistas, preconceitos e discriminações que elas tenham vivido na docência e na pesquisa”, explica Freitas, que classifica como discriminação vertical ou horizontal algumas das situações relatadas. A maior dificuldade enfrentada por mulheres para progredir na carreira e o pequeno número de professoras em cargos de direção configuram a discriminação vertical. Em outro nível, que classifica como discriminação horizontal, ele destaca a presença majoritária de homens em cursos de maior prestígio, mais bem remunerados e mais valorizados social e academicamente, enquanto as mulheres ainda são maioria nas áreas ligadas ao cuidado e ao acolhimento, geralmente financeira e socialmente menos valorizadas.

Tomando o ano de 2016 como base, Freitas mensurou os seguintes itens de produtividade, comparando os dois grupos de sexo: artigos científicos publicados, trabalhos ou resumos de trabalhos publicados em anais de eventos, orientações de mestrado e doutorado e supervisões de pós-doutorado. Em geral, a média feminina é, em quase todos as variáveis e em todos os cursos, um pouco mais baixa que a masculina.

A distribuição por sexo é desigual também entre as áreas, e as mulheres concentram-se principalmente nas ciências humanas e na saúde. Nesta, contudo, embora haja mais mulheres, são os homens que apresentam maior produtividade acadêmica, diz o pesquisador. Em um universo de 2.021 docentes que atuavam, em 2016, em 74 cursos de pós-graduação stricto sensu, os homens eram 58%. No mesmo período, entre os alunos de graduação, as alunas correspondiam a 52%, o que mostra, de acordo com a teoria feminista consultada por Freitas, que à medida que se avança no nível de ensino, os chamados filtros de gênero vão atuando”. 

Ao comparar a produtividade dos pesquisadores, Marcel Freitas comenta que ela é maior entre os homens nas ciências exatas, o que é esperado, por ser a área em que há menos mulheres. Por outro lado, ele enfatiza que a segunda área de maior produtividade masculina é a saúde, em que o número de mulheres é um pouco superior.

Freitas levanta a hipótese de que permanece uma divisão informal de trabalho, em que os homens atuam na criação e na produção científica, enquanto grande parte das mulheres se ocupa de tarefas ligadas ao ensino e à burocracia. “Isso replica na academia o ambiente doméstico e uma antiga imagem social da mulher cuidadora – não aquela que pensa, cria, inventa, desenvolve uma vacina, um método ou um equipamento”, diz.

Marcel Freitas: academia reproduz divisão informal de trabalho
Marcel Freitas: academia reproduz divisão informal de trabalho Foca Lisboa / UFMG

‘Segurando a onda’
Segundo o pesquisador, as entrevistadas relataram perceber uma tendência, nos homens que compõem bancas examinadoras, de ser mais rigorosos com candidatas. “Quando um homem e uma mulher com currículos equiparados concorrem, a tendência é dar mais credibilidade ao perfil masculino”, acrescenta, ressaltando, contudo, que muitas das posturas identificadas como discriminatórias são adotadas de forma inconsciente e não constam nos regulamentos dos cursos. 

É o caso, por exemplo, de situações em que, “educada e cordialmente, as mulheres são subalternizadas” em reuniões, bancas e congressos, ao terem seus discursos desautorizados por homens e até por outras mulheres, comenta Freitas, que faz referência ao conceito de discurso no sentido adotado por Foucault. Também de forma inconsciente, nos cursos em que predomina a presença masculina, elas evitam usar muitos adereços, saltos, decotes ou maquiagem forte. “As entrevistadas disseram que nesses ambientes é preciso ‘segurar a onda na feminilidade’. Trata-se de uma postura tácita, um habitus internalizado, no dizer do sociólogo Pierre Bourdieu”.
Freitas sugere que, com o passar do tempo, as mulheres vão criando habitus para que esses discursos não as silenciem e que seus discursos não sejam desautorizados. ”São estratégias que elas passaram a adotar, para neutralizar essas práticas, algumas conscientes, outras, não”, reitera.

Sem estereótipos
Na opinião do pesquisador, a sociedade precisa empoderar as mulheres, não apenas dando mais oportunidade para que atuem em redutos pretensamente masculinos, mas também deixando de endossar estereótipos. “É importante, por exemplo, estimular também a presença de homens em determinadas áreas, de modo que não sejam estigmatizados por cursarem enfermagem ou belas-artes”, pondera.

Nas entrevistas, todas as pesquisadoras relataram que, no ensino médio, era comum ouvir professores desestimulando meninas a optar por cursos considerados masculinos. “Alguns diziam coisas do tipo: ‘você, com esse cabelo tão lindo, vai mexer com máquina?’”, revela Marcel Freitas, reproduzindo uma fala que ouviu nas conversas. 

Tese: Assimetrias de gênero na perspectiva de mulheres acadêmicas de uma universidade federal brasileira
Autor: Marcel de Almeida Freitas
Orientadora: Adla Betsaida Martins Teixeira

Ana Rita Araújo