Aposentadoria: crise ou liberdade
A aposentadoria é uma etapa aguardada por muitos trabalhadores ao longo de suas trajetórias profissionais. No entanto, quando é chegada a hora, que sentimentos ela desperta? Em geral, esse momento de transição é permeado de dúvidas, anseios e fantasias e proporciona ao indivíduo a possibilidade real de experiências além do mundo do trabalho formal.
Esse momento é sentido por cada um de formas distintas: o trabalhador pode considerá-lo um período de crise ou de liberdade. De um lado, estão os que vivenciam esse fenômeno como um momento de angústia; de outro, aqueles que percebem a aposentadoria como oportunidade de mudança para uma vida com mais autonomia e prazer. Independentemente de como o processo será sentido, os trabalhadores geralmente almejam uma aposentadoria bem-sucedida, mas poucos se preparam para ela.
A aposentadoria sugere a passagem de um ciclo marcado pela vinculação com o trabalho formal – com horários bem demarcados – para outro, orientado pelo lazer e pela liberdade de ocupação do tempo, que possibilita ao aposentado aproveitar as habilidades profissionais e pessoais adquiridas ao longo da vida. De um lado, o rompimento do ciclo da produtividade com o trabalho, a tomada de consciência de não pertencer mais àquele grupo profissional. De outro, a possibilidade do descanso e do usufruto do tempo livre.
Quando esse momento chega, muitos trabalhadores deparam com diferentes problemas em termos de adaptação e de reorganização da vida. A euforia que permeia o imaginário muitas vezes cede lugar ao sentimento de vazio, depressão, isolamento e dificuldades de relacionamento com a família.
Os vínculos das pessoas com o trabalho, fortalecidos pelo status que a atividade tem na sociedade, pelas relações sociais no ambiente de trabalho, pelos ganhos financeiros e pelo modelo produtivo vigente, tornam difícil a decisão de se aposentar. A transição para a aposentadoria implica mudanças que vão além do afastamento do ambiente laborativo, como a substituição de hábitos cotidianos, a alteração da dinâmica familiar e social e a reestruturação da identidade pessoal.
Pensar na aposentadoria é pensar na vida, na trajetória traçada até este momento e nas possibilidades reais que se projetam. Podemos chamar esse momento, em um paralelo com o termo usado por Jane Fonda, em uma de suas palestras, como o “terceiro ato da vida”. Como viver o terceiro ato em sua plenitude? Organizar-se nessa nova fase da vida significa despertar para novas possibilidades e projetos. Primeiro, é importante pensar em todos os papéis que desempenhamos em nossa vida. O trabalho formal é apenas um deles, mas, para muitos, ele pode ser o único ou o mais importante.
Façamos um exercício: tente se apresentar para alguém sem mencionar sua atuação profissional. Quem é você, além do seu trabalho? Que papéis você desempenha em sua vida? Onde você investe seu tempo? Se esse exercício for difícil, vale a pena refletir sobre as redes sociais que compõem o seu dia a dia, os círculos de pessoas com quem convive e os papéis que tem desempenhado. Quanto mais restritos esses papéis, mais propensa estará a pessoa a encarar a aposentadoria como crise e mais dificuldade terá ela em usufruir do período como liberdade.
Planejar-se com antecedência também é requisito fundamental para uma aposentadoria bem-sucedida, pois promove atitudes positivas e aumenta a satisfação. Viver sem planejamento, “deixar a vida te levar”, pode ser danoso e estressante. Rememoramos um experiente professor aposentado que confidenciou o estado de exaustão e esgotamento no qual vivia. Confidenciou-nos que se aposentou após uma longa e intensa vida laboral para transformar-se num “Jaque”. Intrigadas, questionamos o que vinha a ser um “Jaque”. Ele disse que ouvia cotidianamente da mulher e dos filhos: “Já que você não está trabalhando, vá ao banco para mim?”, “Já que... pegue as crianças na escola para mim?”.
Ele sentia um misto de culpa – por não desejar realizar essas tarefas que considerava aborrecidas – e frustração – ao não conseguir impor-se à esposa, aos filhos e aos netos, pois, afinal, não tinha nada mesmo para fazer. Estabelecer limites às demandas que serão criadas e ter projetos é fundamental. Certa vez ouvimos a frase: “O homem começa a envelhecer quando as lamentações começam a tomar o lugar dos sonhos.” Não se aposente dos seus sonhos, antes crie recursos para pô-los em prática.
Educar-se para a aposentadoria representa uma oportunidade para que os servidores repensem os conceitos referentes a essa fase da vida. É a chance de elaborar ou de revisar o planejamento de vida, de forma a manter um equilíbrio entre a afetividade, a convivência familiar, o lazer, a participação sociocomunitária e uma atividade de trabalho com tempo reduzido, vivenciando, assim, essa nova etapa como liberdade.
*Assistente social da Divisão de Acompanhamento Funcional do Departamento de Recursos Humanos da UFMG
**Assistente social da Divisão de Acompanhamento Funcional do Departamento de Recursos Humanos da UFMG
***Psicóloga da Divisão de Acompanhamento Funcional do Departamento de Recursos Humanos da UFMG