'Excelência e relevância são indissociáveis'
Uma universidade que une qualidade e inclusão, aberta ao diálogo com a comunidade acadêmica e com a sociedade, capaz de articular ensino, pesquisa, extensão, inovação e cultura numa perspectiva transversal é a premissa central da proposta de gestão do novo Reitorado da UFMG, que tomou posse na semana passada.
Em entrevista ao BOLETIM, a reitora Sandra Goulart Almeida e o vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira falam sobre a ideia-força que orienta o mandato – o binômio Pública e Diversa – e sobre os desafios que os aguardam, principalmente em relação à autonomia universitária, que vem sendo fragilizada nos últimos tempos, e à matriz orçamentária, tendo em vista a necessidade de assegurar recursos para a crescente qualidade da instituição, para as políticas de inclusão e permanência e para a melhoria da infraestrutura e conclusão de obras. “Temos de atuar de forma conjunta com as outras universidades para enfrentar este cenário”, defende Sandra Goulart Almeida. Leia os principais trechos da entrevista:
Que desafios terão a UFMG e a nova gestão nos próximos anos e como eles serão enfrentados?
Sandra – O principal desafio para a UFMG é continuar sendo uma universidade de excelência, de qualidade e referência para a cidade, para o estado e para o país e, ao mesmo tempo, atender a uma demanda crescente por inclusão. Trata-se, pois, de um desafio de duas faces indissociáveis. São dimensões integradas, que exigem ações que não devem competir entre si. Essas duas missões – excelência e inclusão – são complementares e fazem parte do ethos da UFMG ao longo de seus 90 anos de existência.
Alessandro – A UFMG já demonstrou que é viável. Temos conquistado resultados muito bons tanto na área da inovação – um exemplo é o número de patentes registradas – quanto nas de assistência e inclusão. Além de buscar atender à sociedade no que ela necessita, a Universidade precisa ampliar o que já faz na graduação, pós-graduação, extensão e política de assistência. Nossos resultados podem ser potencializados.
Sandra – Em uma perspectiva mais imediata, mas não menos importante, também precisamos retomar nosso processo de ampliação, iniciado com o Reuni. O número de estudantes de graduação aumentou de 30 mil para 50 mil nos últimos anos, e é importante que a infraestrutura acompanhe esse movimento. Coube às instituições públicas de ensino superior receber a importante missão de executar a expansão como política de Estado diante da crescente demanda por educação superior. É importante, pois, lutar para que a expansão pactuada seja consolidada. Faremos uma gestão ativa, em conjunto com a Andifes e as Ipes [Instituições Públicas de Ensino Superior] mineiras no sentido de obter do governo federal recursos de capital e investimentos, que estão contingenciados, para concluir as obras paralisadas, principalmente nas unidades acadêmicas, e, assim, viabilizar as nossas atividades-fim.
O programa da gestão tem como mote o binômio Pública e Diversa. Como pôr em prática esse princípio em um momento em que as instituições públicas se sentem ameaçadas e as próprias conquistas no campo da diversidade, que pareciam bem encaminhadas, podem sofrer reveses?
Sandra – A noção de “público” está no cerne da palavra universidade, que, no latim, quer dizer unidade e, ao mesmo tempo, coletividade e universalidade. Ou seja, unidade na diversidade, na diferença. É um mote que nos é muito caro: uma universidade pública, para todos, de excelência e que desempenhe papel importante na construção da cidadania. E é diversa porque deve contemplar múltiplas áreas, perfis, abordagens e saberes. Aqui produzimos conhecimento, mas também interagimos com saberes que surgem fora dos espaços característicos da universidade. Por fim, uma universidade pública e diversa é aquela que elabora propostas estratégicas e políticas institucionais em conjunto com os órgãos colegiados e se mantém permanentemente aberta ao diálogo com a sua comunidade e com a comunidade externa.
Alessandro – Não podemos esquecer a renovação que estamos trilhando desde o início do Reuni. Esse processo mostra que nosso corpo docente e nosso quadro de servidores técnico-administrativos em educação são hoje muito mais diversos. Quando falamos de diversidade, a tendência é falar do público externo, ou seja, olhamos para fora e reivindicamos uma universidade inclusiva. Mas aqui também existe uma diversidade de perfis docentes, discentes e de servidores técnico-administrativos que precisa ser valorizada.
Como manter o ensino da UFMG “sintonizado com as demandas da sociedade e integrado às ações de pesquisa e extensão”, conforme preconiza o eixo Ensino, Pesquisa e Extensão, apresentado à comunidade universitária?
Sandra – A UFMG precisa estar atenta às demandas da sociedade, e isso só será possível se oferecermos um ensino capaz de lidar com mais diversos problemas. Precisamos investir na inovação em sentido amplo, na transdisciplinaridade, na criação de redes de cooperação interinstitucionais, na compreensão das profissões do futuro e na identificação de habilidades que o nosso alunado precisa adquirir. A graduação deve se valer de experiências articuladas com a pesquisa, com a extensão e com a pós-graduação. Além disso, estar em sintonia com a sociedade implica interagir com a cidade, com a educação básica, com o Sistema Único de Saúde e com as outras políticas públicas para o avanço do conhecimento em várias áreas e para a construção de uma sociedade mais justa, equânime e inclusiva. Somos um patrimônio do país e devemos atuar para o fortalecimento de políticas públicas.
Alessandro – Pretendemos aprofundar a integração das instâncias responsáveis pela gestão da graduação, pós-graduação, extensão e pesquisa exatamente para avançar em um processo de transversalidade. Sala de aula é importante, claro, mas o estudante deve se envolver com o mundo real. Nossa extensão é forte, e a pesquisa também. Por isso, precisamos integrar bem essas áreas.
Sandra – Hoje nossa reflexão deve ir além do tradicional tripé ensino-pesquisa-extensão, pois ele não dá conta de expressar a complexidade que hoje caracteriza as universidades. Ensino, pesquisa, extensão e inovação, em seu sentido amplo, precisam trilhar o caminho da indissociabilidade. A cultura também deve ser vista como dimensão produtora de conhecimento e parte da formação dos estudantes. Diante dessa nova configuração, cabe à Administração Central desempenhar papel indutor de políticas agregadas e aglutinadas. A Universidade deve oferecer respostas aos desafios e às questões prementes da sociedade, quer sejam problemas regionais ou nacionais que requeiram a atenção de vários campos do saber em uma perspectiva transdisciplinar.
Como a internacionalização se encaixa nesse projeto acadêmico integrado?
Sandra – Temos um programa de intercâmbio, o Minas Mundi, que está consolidado. Mas precisamos ajustá-lo ao atual cenário. Se 50% de nossos alunos ingressam por meio de uma política de inclusão e permanência, essa política também deve alcançar a internacionalização e o intercâmbio discente. Outra perspectiva é a produção do conhecimento em redes de cooperação formadas por instituições de todo o mundo – tanto as de ponta, na Europa, nos Estados Unidos e em outros países, quanto as localizadas em países da América Latina, África e Ásia que precisam de uma cooperação com o Brasil, por meio de instrumentos de cooperação, para desenvolver seu potencial. Nesse sentido, os centros de estudos internacionais da UFMG desempenham papel imprescindível e terão sua atuação potencializada. E pretendemos criar outros centros quando for necessário, sempre na perspectiva de ampliar nossa rede de cooperação e diversificar parcerias.
Alessandro – A internacionalização não diz respeito só ao discente. No passado, vários docentes alavancaram a internacionalização da UFMG à medida que faziam sua capacitação no exterior. Hoje o cenário é diferente. A maioria dos docentes que aqui ingressam são doutores, e o desafio agora é criar condições para fortalecer seu trabalho nessa perspectiva internacionalizante.
A UFMG acaba de receber sua primeira leva de calouros com deficiência por meio do instrumento de reserva de vagas, o que significa mais um passo no processo de democratização do acesso ao ensino superior. Incluir e garantir condições de permanência, no entanto, exigem recursos, e eles escassearam nos últimos anos. Como manter e ampliar o processo de inclusão nesse cenário de dificuldades?
Sandra – Uma decisão acertada da gestão passada foi a criação do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI), que tem desenvolvido várias ações importantes nesse campo. Estamos atentos às questões de acessibilidade nos aspectos pedagógico, instrumental, comunicacional e de infraestrutura. Sabemos dos desafios e vamos envidar esforços para superá-los. Trabalhamos para reduzir e eliminar as barreiras que dificultam o desempenho acadêmico dos estudantes. Por meio da atuação do NAI e com a participação efetiva de todos os que ingressaram neste momento, os que aqui já estão e os que ainda virão, a UFMG vai se tornar cada vez mais acessível e inclusiva.
Alessandro – A comunidade também deve se preparar para atender a essa demanda. São pessoas que precisam de condições específicas de atendimento, e nós precisamos estar prontos para fazer esse acolhimento. O processo tem de vir acompanhado de uma mudança de mentalidade e de cultura.
Sandra – Além das pessoas com deficiência, precisamos continuar assegurando a inclusão e a permanência de grupos sociais historicamente excluídos que, em outros tempos, eram sub-representados na academia. Assistência estudantil tem papel importante nesse processo, e os recursos para financiá-la precisam ser garantidos. As instituições federais de ensino superior devem se unir para que isso ocorra.
O que a gestão propõe em termos de políticas para docentes e servidores técnico-administrativos?
Sandra – Vivemos um processo de grande renovação em nosso quadro de pessoal. Um total de 43% de nossos docentes ingressaram na UFMG a partir de 2010, e, entre os servidores técnico-administrativos, esse índice chega a 33%. Esse grupo de servidores precisa, primeiramente, ser acolhido. A Universidade está cada vez mais complexa, e os servidores precisam conhecer a instituição e seus processos. Mesmo com restrições orçamentárias, os docentes devem receber o apoio da UFMG para realizar as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Os talentos que aqui ingressam precisam ser cultivados. Em relação aos técnicos-administrativos, vale destacar que são profissionais altamente qualificados e, por isso, devemos trabalhar para encontrar funções adequadas a seus perfis. Há uma demanda cada vez maior por gestores nas áreas técnicas e administrativas da Universidade. Essas funções podem e devem ser ocupadas por esses profissionais. Há ainda a necessidade de estabelecer políticas específicas para qualificação dos servidores técnico-administrativos em educação e outras políticas inovadoras de gestão de pessoas.
O programa da gestão menciona a necessidade de defesa de um projeto de autonomia de “dimensão nacional”. Como essa estratégia será idealizada e executada, considerando que ela exige articulações com outras universidades e com uma série de atores sociais e institucionais?
Sandra – Não podemos abrir mão dessa prerrogativa que é conferida às universidades e, no caso da UFMG, reforçada em seu estatuto. Em qualquer lugar do mundo, a universidade tem liberdade de expressão e autonomia para conduzir o seu projeto acadêmico. Em relação à autonomia
administrativa não podemos deixar que as universidades fiquem engessadas e burocratizadas. Temos de atuar de forma conjunta para enfrentar esse cenário. As instituições de ensino superior precisam se unir por meio da Andifes [a autonomia foi tema de reunião realizada pela entidade na semana passada, na UFMG] e do Foripes [Fórum de Dirigentes das Instituições Públicas de Ensino Superior] na defesa da autonomia. Nessa empreitada, contamos também com o apoio de entidades como a SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência] e a Academia Brasileira de Ciências [ABC].
Alessandro – A UFMG também precisa ampliar seu relacionamento com o maior número possível de instituições da sociedade. Vamos discutir com a sociedade a universidade que queremos. É importante que todos compreendam e valorizem o papel da universidade.
Sandra – A luta em favor da universidade também implica defender investimentos em ciência, tecnologia, inovação, arte e cultura. Os cortes efetuados nos últimos anos e os efeitos da PEC dos gastos públicos são preocupantes. Não se constrói um país sem educação, ciência e tecnologia.