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Nº 18 - Ano 9 - 05.08.2010

Web e redes sociais

Mobilização na ponta dos dedos

Atuação por meio das redes pode forjar novas formas de ação política

Manifestações contra o aquecimento global em mais de 130 países; reunião de dois milhões de assinaturas de brasileiros insatisfeitos com a corrupção; escolha da região que deve receber obras de infraestrutura. A apropriação política dos espaços de interação na web tem sido cada vez maior tanto por parte da sociedade civil quanto dos candidatos a cargos públicos. 

Se antes o acesso aos centros de decisão era restrito a cidadãos mais favorecidos, a evolução das mídias digitais parece estender os limites da participação política aos mais diversos segmentos da sociedade. Redes de mobilização on-line, sítios eletrônicos destinados à vigilância dos governantes e redes sociais permitem que a população manifeste insatisfações acerca das decisões políticas e torne públicas as demandas através de um clique – sem precisar que os fatos ganhem atenção da mídia tradicional. No entanto, tudo depende do modo como essas ferramentas são utilizadas.

“Não acredito que exista, no processo eleitoral corrente, participação política via internet”. 

Segundo o professor do Departamento de Ciência Política da UFMG Leonardo Avritzer, a internet pode provocar mudanças na representação, participação, propagandas políticas e financiamento das campanhas. Os exemplos aparecem mundo afora, como a introdução do voto eletrônico na Suíça ou do orçamento participativo virtual em Belo Horizonte. “Nesse sentido, a maneira de se fazer política certamente vai ser alterada”, afirma. Mas o cientista político pondera que o fator rede social ainda não provocará alterações nas eleições deste ano: “Não acredito que exista, no processo eleitoral corrente, participação política via internet”. 

De toda forma, organizações como a Transparência Brasil, da sociedade civil, e o Portal da Transparência, do Governo Federal, têm utilizado a web como ferramenta de fiscalização e prestação de contas das instituições públicas. De acordo com o diretor executivo da Transparência Brasil, Cláudio Abramo, a coleta e divulgação de dados realizados pela entidade referentes ao desempenho dos parlamentares já foram responsáveis por levar à agenda política debates sobre os usos da verba indenizatória e a campanha pela ficha limpa, que pretende tornar inelegíveis os candidatos que respondem a processos judiciais.  

A lei da Ficha Limpa, recentemente aprovada por unanimidade no Senado, mobilizou mais de dois milhões de assinaturas por intermédio do site de ativismo on-line Avaaz.org. O portal, criado em 2007, opera em 14 línguas e atualmente conta com 4,5 milhões de apoiadores espalhados pelo mundo. No final de 2009, enquanto os líderes mundiais discutiam questões climáticas na COP-15 (conferência sobre o clima, promovida pela ONU), milhões de pessoas se reuniam em mais de três mil vigílias realizadas simultaneamente em 139 países.

Movimento difuso   

De acordo com Augusto de Franco, criador do netweaver Escola-de-Redes, site que une pessoas dedicadas à investigação sobre redes sociais e à criação e transferência de tecnologias de netweaving, os cidadãos tendem a aderir às mobilizações on-line de modo espontâneo e difuso. Um exemplo, segundo ele, é o episódio que ficou conhecido por España salio a la calle, ocorrido em março de 2004, quando, às vésperas das eleições presidenciais espanholas, milhões de eleitores começaram a trocar, via celular, mensagens de texto desfavoráveis ao candidato do governo, José Maria Aznar. Favorito segundo todos os institutos de pesquisa, Aznar viu a iminente vitória passar às mãos de Luis Zapatero, da oposição. 

A publicização de diversos temas até então desconhecidos pela imprensa e pelo movimento social, a coleta sistemática de informações, a tradução de dados e agregação deles pelas redes provocam mudanças também no meio político. O pesquisador em comunicação e política da UFMG Diógenes Lycarião explica que as novas ferramentas são úteis para todos os agentes sociais. “Tanto o sistema político passa a utilizar as ferramentas para prestação de contas, quanto a sociedade as usa para desvelar as zonas de segredo político, fazer com que documentos oficiais ganhem visibilidade”, afirma. 

Já a professora de jornalismo on-line do Centro Universitário de Belo Horizonte Lorena Tárcia acredita que as redes sociais canalizam demanda crescente pela expressão e participação.  “É como se os movimentos das ruas reencontrassem seu sentido em outro suporte e, a partir daí, retornassem às ruas”, explica.

Os mesmos de sempre

Ainda assim, na avaliação de especialistas, os filtros e os mecanismos de intermediação política são os mesmos de décadas atrás: não houve abertura para participação ou emponderamento da sociedade civil frente ao sistema político. Embora a internet tenha ampliado o número de atores sociais que participam das deliberações, a desigualdade de acesso e de domínio das ferramentas digitais ainda exclui muitas opiniões do debate, especialmente nos países periféricos. As redes sociais digitais ainda não são tão amplas a ponto de abarcarem todos os discursos. “Os atores da rede pertencem às mesmas classes daqueles que dominam a política tradicional. Nem sempre essa participação vai significar mudança real e profunda na sociedade. A internet tem grandes e importantes portões de retenção que isolam os digitalmente excluídos”, afirma a professora Lorena Tárcia. 

E não é só a sociedade civil que possui acesso restrito às ferramentas oferecidas pela internet. Os dispositivos digitais também costumam ser subutilizados pelas instituições do próprio Estado. Segundo o pesquisador do Grupo de Pesquisa em Mídia e Esfera Pública da UFMG, Francisco Jamil Marques, pouco adianta a existência de fóruns, salas de bate-papo, sondagens e votações on-line, se as instituições e agentes representativos não têm interesse em adotá-los. “Há um hiato entre a organização do movimento ativista e a modificação de uma decisão tomada pelo Congresso. Os efeitos reais sobre a produção de políticas públicas devem ser o foco da atenção, e não o número de pessoas que aderiram a uma causa, ainda que este seja um dado importante”, argumenta. 

Ilustração para revista Diversa nº 18 - Ano 9 - agosto 2010
Ilustração para revista Diversa nº 18 - Ano 9 - agosto 2010 Rita da Glória

No entanto, embora não sejam obrigados a acatar demandas oriundas das redes sociais on-line, ocupantes de cargos públicos podem pagar um alto preço político se fecharem os olhos a elas, adverte Diógenes Lycarião. “Petições on-line e abaixo-assinados podem não ter nenhuma repercussão para o ator político. Mas se existem muitas pessoas que endossam aquela reivindicação, ignorá-la pode acarretar perda de votos e credibilidade”, avalia.

“Participação política é diferente de publicização de mensagem”

Entrevista com Leonardo Avritzer

Em entrevista concedida à DIVERSA, o professor Leonardo Avritzer, do Departamento de Ciência Política da UFMG, afirma que as redes sociais terão que enfrentar um longo caminho para provocar mudanças efetivas no sistema político tradicional e é cético sobre o papel da internet nas próximas eleições. “Os maiores desafios são a democratização e a diminuição do controle sobre a rede”, aponta.

Como as redes sociais podem ampliar a esfera pública? 

As redes em si não ampliam a esfera pública, elas ampliam as possibilidades de interação. Podem ser utilizadas, por exemplo, quando existem fortes bloqueios para uma comunicação mais aberta e interativa como nas manifestações em Teerã, em que o Twitter foi muito utilizado para propor debates sobre a forma como o governo noticiava os protestos da oposição contra a fraude eleitoral no país. Em outros casos, elas podem ampliar o debate de forma negativa, quando, por exemplo, um grupo utiliza a rede para promover a discriminação racial ou sexual.

As redes sociais também têm provocado mudanças no comportamento dos políticos, além de alterações na própria forma de se fazer política. Como isso afeta o sistema?

A democracia ganha quando determinadas formas de relação entre o Estado e sociedade se potencializam. E as redes sociais colocam novas possibilidades nessa relação. Na eleição de Barack Obama, a utilização das redes significou a entrada de novos atores no financiamento de campanhas, além de maior democratização desse financiamento. Também aumenta a relação entre atores sociais e suas bases. Atualmente, quase todos os políticos importantes usam o Twitter, mesmo que de forma muito primária e sem explorar até o limite o potencial dessa ferramenta. 

O senhor acredita que essa facilidade pode acabar comprometendo a qualidade dos debates?

O debate político em geral é diferente por muitos motivos. O principal é que o cidadão, em geral, não está disposto a utilizar parte grande do seu tempo para se posicionar ou se esclarecer politicamente. Nesse sentido, o problema da qualidade do debate político tem origem na diminuição da importância das questões públicas para a cidadania e as sociedades contemporâneas, o que é um processo mundial. Por outro lado, a internet propicia uma pluralização das fontes de esclarecimento. Isso é positivo. 

Apesar de ser um meio potencialmente horizontal, as redes sociais ainda excluem muitas pessoas. O que é preciso para transformar a internet em uma ferramenta plenamente democrática?

O maior desafio é a diminuição do controle sobre a internet. A pouca regulação do meio pode favorecer um conjunto maior de grupos. Outra questão é conseguir que a quantidade de recursos aplicáveis no meio tenha distribuição equitativa. A internet não altera uma questão fundamental na comunicação política: algumas pessoas terão mais dinheiro que outras. E quem tem mais dinheiro consegue fazer que sua mensagem seja mais vista. Ainda que rompa com o monopólio da informação, a internet não rompeu com a desigualdade financeira.

É possível evitar que as redes sociais reproduzam somente os discursos que já têm espaço garantido nas mídias tradicionais?

As grandes empresas midiáticas vão, a princípio, tentar utilizar a internet para ampliar a sua própria concepção, que é extremamente unilateral, da comunicação política. A internet, diferentemente da televisão ou do rádio, tem um grande potencial que é o da contramensagem. No mesmo momento em que uma mensagem pouco democrática ou manipulativa é emitida, alguém pode propagar uma mensagem de teor oposto.  

Que peso a internet terá nas próximas eleições?

Não acho que exista, neste momento, participação política via internet. Participação política é diferente de publicização de mensagem. Acho que a rede tem mais presença no debate político do que anteriormente. O que tem ocorrido é a utilização mais intensiva da internet na publicização de mensagens. Participação é uma coisa diferente, precisa implicar a possibilidade dos indivíduos deliberarem, decidirem ou controlarem decisões por esse meio. Até agora não vi nenhum desses três aspectos no processo eleitoral em curso.

Danillo Borges e Gabriela Garcia