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Desinformação estratégica do governo Bolsonaro prejudica o combate à Covid-19

Professor do departamento de Comunicação Social da UFMG analisou as estratégias de comunicação política utilizadas pelo presidente em meio à pandemia

Aparatos tecnológicos propiciam a propagação de notícias falsas
Aparatos tecnológicos propiciam a propagação de notícias falsas JP Media / CC BY 2.0 Flikr https://bit.ly/3eVMecI

O Brasil atravessa talvez uma das maiores e mais graves crises sanitárias de sua história. No último balanço, desta quinta-feira (04), o país registrou mais um triste recorde no número de mortes pela Covid-19 em 24 horas, somando 1.473 óbitos em 1 dia pela doença. Em meio aos esforços de combate à pandemia, a presidência da República insiste na divulgação de materiais afirmando que estudos técnicos comprovam a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento contra o novo coronavírus. Esses conteúdos contrapõem-se aos protocolos de instituições internacionais de credibilidade no âmbito científico, como por exemplo, a Organização Mundial da Saúde.

As estratégias de comunicação utilizadas pelo governo federal, tanto no combate à pandemia quanto na construção da figura política de Jair Bolsonaro, foram analisadas pelo  professor e pesquisador do departamento de Comunicação Social da UFMG e do Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia em Democracia Digital, Camilo Aggio, no artigo intitulado “A eficácia da hidroxicloroquina”. No texto, o professor investiga uma dimensão que considera  fundamental para a ascensão e manutenção do apoio ao bolsonarismo: a comunicação política.  

Em entrevista ao programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, Aggio avalia os efeitos da descentralização da comunicação na campanha do atual presidente: “A novidade que Bolsonaro traz para o jogo eleitoral é justamente o modo como ele se apropria das tecnologias digitais, em uma era em que os meios de comunicação de massa, tradicionais, perdem a centralidade e o controle que tinham sobre a comunicação política”, afirma o professor. “Esses instrumentos lhe permitem se comunicar de maneira massiva, constante e ininterrupta com a sociedade, sem a mediação da comunicação tradicional. Desta forma, o presidente construiu uma campanha permanente, que atravessa anos”, explica Camilo Aggio.

Além da questão tecnológica, a comunicação empreendida por Jair Bolsonaro também deve ser analisada a partir das estratégias que utiliza, que segundo o professor e pesquisador Camilo Aggio “extrapolam e muito os parâmetros éticos que devem reger o jogo político e democrático”. O professor chama atenção para o fato de que a comunicação política do governo federal promove a desinformação: “O objetivo central é produzir confusões e falsas controvérsias, de modo a alimentar uma polarização política e afetar as imagens públicas de determinados adversários”, afirma o professor. Ainda para Camilo Aggio, os ataques à imprensa tradicional, por parte de Bolsonaro, fazem parte da dinâmica de desinformação adotada pelo presidente, “pois elas são instituições que temos como pilar fundamental na construção de uma realidade objetiva, empírica e com o mínimo de respeito aos conhecimentos científicos”, defende o pesquisador.

No combate à pandemia do novo coronavírus, Aggio analisa que os métodos de comunicação de Jair Bolsonaro não se alteraram: “Observamos a continuidade de uma estratégia já desenvolvida há muito tempo, que diante da crise sanitária, continuou a se alimentar de uma usina de produção de desinformação, travestida de informação qualificada. Podemos citar a quantidade de conteúdos técnicos disparados pelo presidente, em demonstração de apoio ao uso da hidroxicloroquina no combate à Covid-19, algo que já foi refutado pela comunidade científica internacional”, exemplificou o pesquisador. 

Durante a entrevista, Aggio alerta para os riscos da estratégia de desinformação, as chamadas “fake news”, em escala industrial: “Durante a pandemia, podemos observar que a construção da desinformação como projeto de comunicação do governo não é centrada nos perfis oficiais da presidência. Ela se vale de usinas de produção de conteúdos falsos, desenvolvidas por profissionais. Não se pode partir da premissa ingênua de que existe um ativismo orgânico de pessoas engajadas que constituem essa força política: o que existem são mecanismos de disparo de conteúdos em massa”. O pesquisador explicou que os aparatos tecnológicos propiciam esse tipo de estratégia. “Nas plataformas online, como o Whatsapp, é muito difícil verificar de onde sai uma notícia falsa, e mais ainda saber até onde ela chega, o que torna o combate à desinformação ainda mais desafiador”, observa o professor.

Convergência de valores 
Segundo o professor e pesquisador Camilo Aggio, ainda que as estratégias de comunicação política utilizadas por Jair Bolsonaro devam ser problematizadas, elas não são o único fator responsável pela eleição do presidente e manutenção de sua base de apoio. “A propaganda de massa não produz um efeito direto nas opiniões e nos comportamentos das pessoas. As relações que os indivíduos estabelecem com a comunicação é muito mais complexa que isso”, defende o professor. Segundo Aggio, é importante ter em mente que a força do bolsonarismo não pode ser resumida à manipulação de pessoas: “Existem afinidades, aproximações e convergências entre valores, que fazem com que determinados projetos políticos ganhem força. Uma parte da população brasileira viu suas convicções morais profundamente representadas com as manifestações racistas, homofóbicas e sexistas de Jair Bolsonaro”, conclui o professor Camilo Aggio, em entrevista à Rádio UFMG Educativa.

Ouça a conversa com Luíza Glória

No artigo "A eficácia da hidroxicloroquina", o professor e pesquisador do departamento de Comunicação Social da UFMG e do Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia em Democracia Digital, Camilo Aggio, escreve sobre descentralização da comunicação e desinformação analisando o governo de Jair Bolsonaro no contexto da COVID-19.

Produção de Arthur Bugre