Coberturas especiais

Educação para ressocializar: da privação de liberdade ao recomeço

Acesso à Educação de Jovens e Adultos é de apenas 15% entre pessoas privadas de liberdade, no Brasil, debate reportagem da UFMG Educativa

"Educação para ressocializar: da privação de liberdade ao recomeço": nova reportagem especial da UFMG Educativa Adobe Express

Em meio a 18,5 milhões de estudantes participantes da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), o privado de liberdade Gilmar Junior foi um dos medalhistas de ouro na etapa nacional da última edição do concurso. A conquista dele é rara por vários motivos, em especial, porque, segundo o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), apenas 15% das pessoas em privação de liberdade no Brasil têm acesso à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Vivendo em uma unidade prisional na região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, Gilmar se formou na  Escola Estadual José Nério da Silva, em funcionamento na Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho, ao final de 2024. 

Segundo a diretora da Escola em que Gilmar se formou, Liva Silva, ver a conquista do aluno é motivo de orgulho: “todos os anos, ex-privados de liberdade me procuram pedindo a documentação escolar para recomeçarem a vida fora da unidade prisional e conseguirem um novo emprego ou começar uma faculdade, dando continuidade aos estudos. Nossa missão é a ressocialização”. Palavra constantemente repetida quando se fala em sistema prisional, a ressocialização é frequentemente prometida, mas, será que de fato ela é alcançada?

Ressocialização

Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a doutora em Sociologia Rafaelle Lopes pesquisou, durante o mestrado e o doutorado, a ressocialização de pessoas privadas de liberdade. De acordo com ela, após cumprirem pena nas unidades prisionais, a situação de quem foi preso, por vezes, costuma ficar pior do que antes da prisão, devido aos vários preconceitos com quem passou por penitenciárias: “a ressocialização nas prisões brasileiras é um mito. Embora a gente tenha, desde 1984, a Lei de Execução Penal, os direitos da pessoa que foi presa, como à assistência, à saúde e à educação, nem sempre são garantidos, tornando a reinserção social, após a prisão, um grande desafio”.

Quem concorda com Rafaelle é a coordenadora Nacional de Atenção à pessoa egressa na Diretoria de Cidadania e Alternativas Penais, no MJSP, Roseane Lisboa: “eu até prefiro o termo reintegração social, porque essa pessoa, quando ela sai da prisão, a gente vai tentar reintegrá-la à sociedade, passando pelo viés do trabalho, da educação, dos vínculos sociais, dos vínculos comunitários, familiares e da própria identidade dela, objetivamente, como documentação, e subjetivamente, na reconstrução de si. São pessoas que saem até sem terem roupas”.


Educação e privação de liberdade

Em números absolutos, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos da América e da China, segundo o levantamento mundial World Prision Brief. Segundo o MJSP, o país tem hoje cerca de 700 mil pessoas vivendo em algum tipo de privação de liberdade, sendo que, de acordo com o MEC, 82% delas não completaram a educação básica. 
Para o coordenador regional em Minas da OBMEP, Carlos Torrente, ter pessoas privadas de liberdade entre medalhistas da competição comprova a importância da EJA nas unidades prisionais: “Não há como ressocializar sem educar. Um dos grandes problemas, além da falta de aulas nas penitenciárias, é a ausência de formação específica para a docência voltada à ressocialização. Quem trabalha nas unidades prisionais, grande parte das vezes, não se qualificou especificamente para ocupar esse papel”.


Atento ao déficit educacional no contexto do sistema prisional brasileiro, o MEC executa, até 2028, mais um ciclo dos Planos Estaduais e Distrital de Educação nas Prisões,com o objetivo de aumentar a infraestrutura e o planejamento educacional, garantindo a formação de pessoas privadas de liberdade. Ampliar o pequeno número de 15% de acesso à EJA nas penitenciárias parece mesmo urgente: 40% das pessoas egressas das unidades prisionais volta a cometer um novo crime em até cinco anos, conforme dados divulgados em 2022, pelo então Departamento Penitenciário Nacional, hoje, Secretaria Nacional de Políticas Penais, em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco.
Apesar de apenas a educação não resolver o problema da criminalidade, sendo necessários ainda justiça social e reforma penitenciária, educar ainda é uma das principais formas de dar oportunidades de começar a vida e recomeçar, quando preciso, segundo os especialistas consultados nesta reportagem. 


Reportagem em áudio
A Rádio UFMG Educativa disponibiliza a reportagem completa, produzida pelo jornalista Ruleandson do Carmo e com sonoplastia de Cláudio Zazá, em áudio, nas principais plataformas sonoras, como Spotify e SoundCloud



Ficha técnica
Produção e reportagem: Ruleandson do Carmo 

Edição de texto e de conteúdo: Ruleandson do Carmo

Sonoplastia e edição de áudio: Cláudio Zazá

Pessoas entrevistadas: Rafaelle Lopes (doutora em sociologia - UFMG), Roseane Lisboa (Coordenação Nacional de Atenção à Pessoa Egressa - Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Carlos Torrente (coordenação regional OBMEP), Lila Silva (diretora Escola Estadual José Nério da Silva - Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho), Gilmar Junior (medalhista OBMEP)

Ruleandson do Carmo