Arte e Cultura

Pesquisadores revelam como literatura e MPB dialogam entre si e com a modernidade

Em roda de conversa no Festival de Inverno, professor da PUC-Rio sustenta que as duas expressões culturais têm status comum de 'etnografia das escutas e vozes'

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Júlio Diniz: antropologia dos afetosRaphaella Dias | UFMG

A canção popular deve ser analisada como dispositivo crítico, de criação de pensamento e de pulsão erótica que desempenha papel fundamental na antropologia dos afetos. A reflexão foi feita pelo professor Júlio Diniz, na roda de conversa que abriu, nesta sexta-feira, 30, as atividades do penúltimo dia do 53º Festival de Inverno UFMG. “Isso é válido não somente para a música das ‘vacas sagradas’, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, mas também para a produção contemporânea da MPB", defendeu o professor.

Para Diniz, a música popular deve ser vista como lugar conceitual e teórico, assim como as obras literárias de Silviano Santiago, Guimarães Rosa e Mário de Andrade, entre tantos escritores. "Vejo a música brasileira da mesma forma", disse o professor, ao avaliar o status comum de “etnografia das escutas e vozes, instâncias teóricas e intercessores conceituais” que prevalece, segundo ele, entre a literatura e a música.

Na roda de conversa Literatura e música popular: Minas, modernidade e cosmopolitismo, Júlio Diniz e o poeta e ficcionista Alexandre Faria, sob a mediação do professor Roniere Menezes, do Cefet-MG, recorreram a trechos de obras de escritores, poetas e cancionistas que dialogam com a cultura popular, a modernidade brasileira e o cosmopolitismo.

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Alexandre Faria: correspondência com a históriaRaphaella Dias | UFMG

Ouro e fazendas
Após a leitura da canção Para Lennon e McCartney, de Lô Borges, Márcio Borges e Fernando Brant, Alexandre Faria repercutiu a hipótese de que a cultura brasileira reverbera a identidade produzida no contexto de uma tradição colonial – de um lado, pelos povos colonizadores e, de outro, pelos colonizados.

Por que vocês não sabem do lixo ocidental? (…) Eu sou da América do Sul / Eu sei, vocês não vão saber / Mas agora sou cowboy / Sou do ouro, eu sou vocês / Sou do mundo, sou Minas Gerais 

Segundo Faria, o ouro ganha uma significação de contraposição ao lixo. Já o cowboy é a figura que faz expansão para o oeste, como o bandeirante do Brasil.

Alexandre Faria também mostrou como o poema Confidência do itabirano, de Carlos Drummond de Andrade, alude à transição do Brasil-colônia para a República e resgata a histórica econômica do país.

Tive ouro, tive gado, tive fazendas / Hoje sou funcionário público / Itabira é apenas uma fotografia na parede / Mas como dói!

De acordo com sua análise, os coronéis dos tempos do império transformaram-se em burocratas públicos com lugares privilegiados em gabinetes. "Muitas das famílias que dominam a política são herdeiras das capitanias hereditárias”, elucidou.

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Roniere Menezes: Drummond e a músicaRaphaella Dias | UFMG

Na esteira da discussão sobre a obra de Drummond, o professor Roniere Menezes destacou que sua poesia era desprovida de sonoridade e ritmo musical, e o poeta não teve forte contato com músicos – mesmo assim, muitos de seus poemas inspiraram composições de Chico Buarque, Paulo Diniz, Caetano Veloso, José Miguel Wisnik, entre outros.

“Drummond escreveu crônicas sobre artistas como Nara Leão, Ary Barroso, Pixinguinha e Cartola. A música também foi referenciada em alguns de seus escritos, como Cantiguinha, Cantiga de viúvo, Canção de Itabira, Canto ao homem do povo Charlie Chaplin, Canção amiga, Viola de bolso, Canção do berço Canção para álbum de moça, entre outros”, enumerou.

Matheus Espíndola