Pesquisa e Inovação

UFMG pedirá autorização à Anvisa para realizar testes clínicos com a SpiN-TEC em humanos

CTVacinas finaliza dossiês com resultados da fase pré-clínica; expectativa é que os ensaios do imunizante em voluntários (fases 1 e 2) comecem no fim de setembro

Equipe do CTVacinas superou mais uma etapa de testes da Spintec
Equipe do CTVacinas obteve resultados satisfatórios na etapa de testes pré-clínicos da SpiN-TEC Reprodução | TV UFMG

Pesquisadores do CTVacinas da UFMG estão finalizando um dossiê com dados e informações sobre o desempenho da vacina contra a covid-19, a SpiN-TEC, nos testes pré-clínicos realizados em camundongos humanizados (cujo sistema imune se comporta de forma semelhante ao do ser humano), em hamsters e em primatas. Com base nessa documentação, o grupo buscará autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o início dos testes clínicos em humanos (fases 1 e 2), previsto para o fim de setembro.

Desenvolvidas concomitantemente, as duas fases têm, respectivamente, o objetivo de avaliar a segurança da vacina para identificar se ela provoca ou não efeitos adversos e de comprovar a sua capacidade imunogênica, ou seja, de induzir a geração de anticorpos e de células de defesa específicas contra o novo coronavírus. A fase 1 reunirá aproximadamente 40 voluntários, e a 2, entre 150 e 300 voluntários.

Os resultados dos testes pré-clínicos foram positivos: a vacina não gerou efeitos colaterais adversos detectáveis e demonstrou a capacidade de produção de anticorpos tanto para proteína S quanto para a N. Além disso, respostas protetoras de linfócitos T também foram identificadas.

“Já tivemos algumas reuniões com a Anvisa para entender as demandas e o formato do encaminhamento desses dados. No momento, estamos ajustando a abordagem das informações segundo os padrões exigidos pela Agência”, informa o professor Flávio da Fonseca, um dos pesquisadores do CTVacinas que participam dos estudos. A equipe é coordenada pelo professor Ricardo Gazzinelli.

O dossiê, que deverá ser entregue até o fim deste mês, será analisado pelo Comitê de Avaliação de Estudos Clínicos, Registro e Pós-registro de Medicamentos para Prevenção ou Tratamento da Covid-19 (Comitê Covid-19) da Anvisa. Conforme explica a própria Agência, o Comitê faz essa avaliação, “de forma prioritária, no prazo médio de até 72 horas após a submissão formal do protocolo, desde que tenha havido uma análise preliminar da documentação pela Anvisa antes da submissão formal".

Potencial para combater mais variantes e reforço
O imunizante desenvolvido pelo CTVacinas já traz no nome um dos seus principais diferenciais. O termo SpiN remete à proteína quimérica, decorrente da mistura das proteínas S e N. Assim, apresenta uma construção aprimorada em relação aos imunizantes que contemplam apenas a proteína S, na qual ocorre a maioria das mutações do novo coronavírus. Ao associar a proteína S à N –esta mais estável e menos afetada pelas mutações responsáveis pelo surgimento de variantes do novo coronavírus conhecidas até o momento –, a SpiN-TEC tem potencial para combater um número maior de variantes do novo coronavírus. “Percebemos a importância dessa outra proteína, a N, alojada no nucleocapsídeo do Sars-Cov2, quando estávamos desenvolvendo o kit diagnóstico para covid-19 e decidimos adicioná-la à vacina em desenvolvimento”, explica Flávio da Fonseca.

O pesquisador do CTVacinas ressalta que os imunizantes brasileiros, entre eles a SpiN-TEC, chegarão aos braços dos brasileiros somente no ano que vem, quando o primeiro ciclo de vacinação (de duas doses) já terá sido concluído. A expectativa é que essas vacinas reforcem a a imunidade das pessoas em relação às infeções provocadas pelo Sars-Cov2, vírus com o qual a humanidade deverá conviver por muito tempo.

Os testes da SpiN-TEC (fases 1 e 2) serão realizados com voluntários que já tenham recebido as duas doses da vacina Coronavac há pelo menos seis meses. O objetivo é avaliar a capacidade de resposta imunológica do organismo à terceira dose de um imunizante.

Equipe e parcerias
O desenvolvimento de pesquisa desse porte envolve equipe multidisciplinar e diferentes parcerias, seja para o desenvolvimento em si ou para o custeio da pesquisa. No CTVacinas e na Fiocruz Minas, cerca de 30 pesquisadores, entre seniores e pós-graduandos, trabalham direta ou indiretamente nos testes da SpiN-TEC.

Na coordenação, estão os professores Flávio da Fonseca, Ricardo Gazzinelli e Santuza Teixeira, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), e Ana Paula Fernandes, da Faculdade de Farmácia. A partir de agora, se juntarão ao grupo os professores Unaí Tupinambás (Faculdade de Medicina) e Mauro Teixeira (ICB), que já participam de estudos epidemiológicos, além de um especialista em estatística, cujo nome ainda não foi definido.

Os dossiês que estão sendo preparados para a Anvisa envolvem, além de pesquisadores do CT Vacinas e da Fiocruz, duas empresas especializadas.

Paralelamente, lote-piloto do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) está sendo produzido na Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, uma vez que não há empresa que desenvolva esse tipo de material no Brasil. A remessa de IFA piloto deverá chegar ao CTVacinas até setembro, quando serão iniciados os testes de fases 1 e 2 da SpiN-TEC, caso todas as tratativas com a Anvisa corram conforme o planejado. Com duração de três a quatro meses, os testes devem ser concluídos nos primeiros meses de 2022.

Recursos
Na fase pré-clínica, o principal investidor na pesquisa da SpiN-TEC foi o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) por meio da Rede Vírus, da qual a UFMG faz parte. A etapa de testes clínicos conta com recursos da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que vai repassar R$ 30 milhões até o fim do ano, e de emendas parlamentares, que garantiram outros R$ 3 milhões.

Esses recursos já estão sendo utilizados para a elaboração dos dossiês que serão entregues à Anvisa e para a produção do IFA na universidade norte-americana. O dinheiro também será aplicado na realização dos testes, processo em que todos os voluntários precisam ser acompanhados clinicamente, de forma sistemática, com análises de laboratório e monitoramento da saúde.

A fase 3 em humanos prevê tradicionalmente a realização de um teste com milhares de pessoas a um custo estimado de R$ 300 milhões. No entanto, como a SpiN-TEC será usada como vacina de reforço, a abrangência dessa etapa ainda está sendo examinada pelos pesquisadores da UFMG e os técnicos da Anvisa. Os recursos para essa etapa ainda serão dimensionados.

Isaura Mourão